Neuton Corrêa*
Era maio de 1999. Eu havia chegado a Manaus. Aluguei um quarto no bairro Petrópolis. Ficaria mais fácil ir para Universidade Federal do Amazonas sem pagar transporte. Nos primeiros dias de faculdade não conseguia ler uma linha sem estar perturbado com as lembranças de minha família. Descobri que me concentrava melhor na leitura quando estava no barulho do ônibus.
O 610 (Petrópolis-Centro) não se demorou a passar. A viagem alcançava a primeira ladeira do bairro, quando entra um menino carregando dois banquinhos de madeira, de pouco acabamento. Era moreno e magrinho. Vestia uma camiseta clara e bem limpa. A bainha da perna de sua calça já lhe batia na canela.
Ele era um menino observador. Deixou os bancos no chão do ônibus, apoiou a mão esquerda em uma das cadeiras e com a direita fazia um movimento como se estivesse procurando algo. Em seguida, levantou os bancos e deu alguns passos em direção a uma mulher que se sentava à minha frente. Ela estava com o filho de mais ou menos seis anos de idade, talvez um ano mais novo do que aquele garoto:
Ao se aproximar da passageira, com a voz baixa, ele a abordou:
– Tia, a senhora compra um banquinho de mim?
E a mulher, quase em sussurros, perguntou-lhe:
– Quem faz esses bancos?
– É o meu avô.
Ele não quer dar muita explicação e insiste:
– Tia, a senhora compra?
A passageira olha, então, para o seu filho e diz:
– Meu filho, você quer um banquinho desses?
E ele respondeu:
– Não, mamãe, eu tenho um monte de brinquedo em casa.
A mulher dá sinal de que não iria aceitar a oferta e tenta despachar o pequeno vendedor:
– Não quero, não.
Triste, o menino apela:
– Vai, tia, compra logo. Tenho que chegar com dinheiro em casa para minha mãe comprar comida.
A estratégia funcionou. A passageira tirou uma bolsa que prendia entre pernas e iniciou a compra:
– Quanto é um?
– Cinco reais, disse ele.
– Eu só tenho de dez. Você tem troco?
– Tenho!, respondeu ele, agora com mais vibração.
O menino pegou o dinheiro, colocou-o no bolso direito da calça e, ao puxar a mão de volta, uma chupeta de bebê saiu de sua roupa e caiu no chão. Ao ver aquilo, a mulher pôs as mãos no rosto, cobrindo-lhe o olho e o indagou:
– De quem é essa chupeta ?
A criança ficou sem graça ao ver o seu segredo revelado:
– É minha.
A passageira abriu um sorriso e brincou:
– Você ainda usa chupeta ?
Na hora, lembrei das promessas que as crianças fazem aos pais para abandonar o pipo. “Só já essa vez”; “só pouquinho, mamãe!”. E fui lembrando das desculpas que o meu filho dava para a mãe dele quando estava no tempo de deixar o vício.
Mas aquela criança não tinha uma desculpa. Tinha uma estratégia de sobrevivência para revelar.
– Olha, tia, quando eu estou com fome, eu chupo minha chupeta . Aí a fome passa e eu vou embora.
*Filósofo, mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia pela Ufam.