Orai e vigiai, irmãos! A luta contra o demônio não acabou! Tive o coração tocado por essa verdade na última viagem que fiz a bordo do ônibus 219 (Augusto Montenegro-Centro). A pregadora que me fez pensar assim conseguiu isso com poucas palavras. Nem precisou colocar meu nome na caixinha de orações nem mergulhá-lo no óleo santo da Nação dos 318 da Igreja Universal.
Aquela mulher foi direta.
A pregação dela destruiu tudo o que eu já havia planejado para pôr em prática, caso algum dia resolvesse atender ao convite das minhas colegas de sala de aula Priscila e Ana Cleide.
Antes, já havia me imaginado em um púlpito da Assembléia de Deus, caso fosse persuadido pela Ana e pela Priscila: “Eu falaria para o público: ‘irmãos, Jesus vai voltar; irmãos, o julgamento final vai chegar.’ Em seguida, via-me indagado: ‘lá vem o senhor de novo com essa conversa!”.
E as divagações foram se sucedendo desde o dia em que comecei a ser convidado para tornar-me pastor. Desisti naquele encontro com a pregadora do 219.
De lá para cá, penso que deveria ser, sim, também um pregador. Mas um pregador agnóstico, que prega a destruição de Deus e que promove a construção do homem. Mas essa idéia está por demais cansada. O momento não é próprio para esse tipo de coisas de super-homem. A propósito, essa idéia de super-homem dizem que levou a Alemanha ao nazismo. O defensor original dessa história era um cara chamado Nietzsche (pronuncia-se: Nítche).
O momento agora é o de crença. O homem está em crise. E todas as vezes que isso acontece na história da humanidade as pessoas recorrem àquilo que está mais distante delas – ou quem sabe mais perto.
Aquela pregadora mostrou o momento atual: o de encarar a luta contra o demônio!
Ela subiu na viagem três paradas depois da minha, no bairro Alvorada. Debaixo do braço carregava uma Bíblia e vestia uma túnica cinzenta, de tecido remendado. A imagem dela lembra aquelas figuras de filmes da Semana Santa. Ela entrou apressada no carro e discutia com um grupo de rapazes que a zombavam na parada de ônibus.
Inquieta, não se sentou, embora houvesse um grande número de cadeiras vazias. Os rapazes da parada continuaram. Ela, então, furiosa, colocou a cabeça pela janela do ônibus e gritou:
– Vai dar tua bunda, filho da mãe, para ver se tu ganha um real!
Todo mundo se assustou. Ela pôs o corpo de volta e recomeçou sua pregação para os passageiros, agora, com um tom mais moderado:
– É, mano, com satanás é assim: a gente não pode dar mole!
Ela continuou a pregação até as proximidades do estádio Vivaldo Lima, onde eu e o meu filho desembarcamos.
* Filósofo, graduando em Jornalimso e mestrando em Sociedade e Cultura na Amazônia/Ufam.