Neuton Corrêa*
A noite seria melhor do que a anterior. Havia promessa de que seria. Mais que isso: havia garantia, equipamentos e remédios que asseguravam a certeza do cumprimento da promessa. Porém, madrugada a dentro, Bruno acorda Jorginho no melhor do sono. Deve ter hesitado o que pôde, pensado milhões de vezes, afinal, era um recém-contratado servidor tendo que importunar o chefe.
Bruno mediu prós e contra e assentiu com sua íntima consciência que a decisão correta era acordar o chefe. Estava na primeira viagem, tinha que mostrar serviço. O dia seguinte seria a oportunidade que teria para expor suas competências, que não puderam ser plenamente expostas como queria, porque o Jorginho não permitiu no primeiro dia.
O Jorginho é diretor de uma importante autarquia do governo federal em Manaus. Bruno acabara de ser contratado e já se destacava em sua área tão logo chegou à repartição, tanto que foi escolhido entre outros mais experientes a viajar com o Jorginho, que antes do embarque o advertiu:
– Bruno, você é bom de sono?
– Sim, seu Jorge, eu durmo bem.
– Estou te perguntando isso porque a gente vai ter que dividir o mesmo quarto no hotel e meu ronco só não atrapalha quem dorme antes.
Sem noção do que viveria na viagem, Bruno tranquilizou o chefe:
– Não se preocupe, seu Jorge. Isso não vai me atrapalhar, não.
A primeira noite dos dois, no entanto, não foi apenas a estreia. Foi o teste que o Bruno precisava para ter certeza de que palavra de chefe é um decreto irrevogável. O cansaço da viagem fez o Jorginho querer ainda mais a cama para descansar ao estilo macaco-guariba.
Bem, o Jorginho não roncava tanto assim. O estrondo noturno foi aumentando à medida que seu atlético um metro e noventa e poucos centímetros iam ganhando massa, até não mais ser notado pela envergadura, mas pela largura.
A gordura começou a fazer parte de sua vida quando interrompeu sua rotina de atleta e passou a se dedicar ao emprego, onde goza de destaque após escalar degraus que sua perspicácia lhe permitiram galgar.
Voltando à primeira noite no hotel, o Jorginho nem fez a transição da vigília para o sono. Já caiu na cama roncando. O coitado do Bruno nem teve tempo de tapar os ouvidos e não conseguiu pregar os olhos.
No dia seguinte, com a vontade de explodir com o chefe, Bruno observou o Jorginho acordar, tomar banho e se preparar para o café, mas não teve coragem. Apenas falou com todo cuidado:
– Seu Jorge, nesse intervalo que o senhor vai pro café, o senhor pode me dá uma hora?
O diretor achou aquilo estranho e perguntou:
– Aconteceu alguma coisa, Bruno?
– Não, não, seu Jorge. É que eu não consegui dormir. O senhor roncou muito e muito alto.
No ato, Bruno foi liberado das atividades da manhã e com a promessa de que a noite seguinte seria diferente:
– O que é isso, Bruno, não precisa ir agora, não, descansa aí. E, olha, eu vou providenciar umas coisas que vão resolver essa situação. Sempre dá certo.
E assim aconteceu. Com a consciência pesada, Jorginho foi à drogaria, comprou Vick Vaporub pra passar no nariz e no peito antes de dormir, foi atrás de um dilatador nasal, daqueles usados por atletas, e antes de deitar asseverou:
– Pronto, Bruno, hoje você vai dormir como um bebê. Com isso aqui, com a ventilação passando livre pelas vias nasais, não tem como eu te perturbar.
Jorginho falou isso e foi logo apagando. O Bruno outra vez dormiria depois, mas não conseguiu. Tentou pôr fim ao importuno no ato, mas adiou a decisão de acordar o chefe até se encorajar e, finalmente, bateu no Jorginho, dizendo:
– Seu Jorge, seu Jorge! Acorde! Não deu certo. Lave esse Vick do seu peito, tire esse troço do seu nariz. Era melhor como estava antes. O negócio piorou. Agora, além de roncar, o seu ronco tá fazendo eco. Tá tudo ecoando e vai acordar o hotel inteiro.
Ah, pra fechar: o Jorginho perdeu 63 quilos e garante que não ronca mais, não como antes.
*O autor é formado em Filosofia pela Ufam e mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, também pela Ufam.