O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, na tarde desta quarta-feira (01), o julgamento do marco temporal das demarcações de terras indígenas. A sessão havia sido suspensa na quinta-feira passada, em 26 de agosto, após a leitura do relatório inicial do ministro Edson Fachin.
A sessão de hoje foi dedicada somente às sustentações orais tanto das partes envolvidas – advogados de defesa e acusação – como os chamados “amigos da corte” (amicus curiae), sendo 21 instituições contrárias à tese do marco temporal e outras 13 entidades que querem o reconhecimento de demarcações de terras indígenas até a promulgação da Constituição de 1988.
O julgamento será retomado na sessão desta quinta-feira (2), às 14h, quando mais 17 “amigos da corte” ainda devem se manifestar, além do vice-procurador da República, Humberto Jaques de Medeiros.
Após as sustentações e parecer da PGR, os ministros começam a emitir seus votos, começando por Edson Fachin.
Entre as 22 sustentações orais desta quarta-feira, quem se pronunciou como “amicus curiae” no RE 1017365 foi a Procuradoria-Geral do Estado do Amazonas (PGE-AM).
O procurador-chefe do Meio Ambiente, Daniel Pinheiro Viegas, disse que o marco temporal engessará não apenas os povos indígenas, mas também as possibilidades de solução de conflitos territoriais.
Segundo Viegas, através do projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, o estado do Amazonas teve acesso a pesquisas científicas com comunidades e povos tradicionais em todo o Brasil e com países da América Latina.
E, por meio desses conhecimentos científicos, verificou-se que muitos dos conflitos territoriais foram solucionados judicialmente graças a não aplicação da tese do marco temporal.
E é por essa razão que o estado do Amazonas se coloca contrário a essa tese, baseado no acompanhamento de processos empíricos e na pesquisa científica que vem tratando e colocando nas resoluções de conflitos territoriais.
“Portanto, o estado do Amazonas, nessa tentativa de contribuir com esse debate e entendimento jurídico, entende que a tradicionalidade da ocupação indígena não está em uma relação de tempo linear e lugar, mas está na necessidade de materialização física das suas práticas culturais que são construídas e reconstruídas cotidianamente, sendo inconstitucional qualquer tentativa de torna-los congelados no passado”, argumentou o procurador-chefe de Meio Ambiente da PGE-AM, Daniel Pinheiro Viegas.
Representação dos povos da Amazônia
A advogada indígena do povo Baré, Cristiane Soares, falou em nome da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira). A entidade representa nada menos do que 180 povos indígenas, além de grupos isolados.
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A defensora dos povos indígenas da Amazônia alegou inconstitucionalidade da tese do marco temporal. E para reforçar o argumento do papel dos povos originários, Cristiane Soares mostrou dados da redução dos desmatamentos nos territórios indígenas.
“Hoje, nas 381 terras indígenas demarcadas ou em processo de demarcação, na Amazônia Legal, segundo monitoramento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a área desmatada, incluindo áreas usadas para agricultura tradicional e áreas que são degradas por invasores alheios, em 2020, é de apenas 1,4%. Enquanto, fora das terras indígenas, o desmatamento é acima de 20%”, declarou.
De acordo com a advogada da Coiab, o mérito não do governo federal que nos últimos anos vem reduzindo consideravelmente o orçamento destinado para ações de fiscalização a serem desenvolvidas pela Funai. “O mérito é dos povos indígenas que, na ausência do estado, assumem eles mesmos a defesa de seus territórios”.
Defesa do povo Xokleng
No processo do marco temporal, o Supremo analisa a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena Ibirama-Laklanõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang.
Na sustentação oral desta quarta-feira, o advogado da comunidade indígena Xokleng, Rafael Modesto dos Santos, defendeu que o direito dos índios à terra é originário, antecede a criação do estado brasileiro e as áreas declaradas como de ocupações tradicionais não podem ser excluídas do processo.
“O marco temporal é o retrato do negacionismo, pois, para existir como ficção que é, ele carece negar a ciência antropológica. Essa que conta com método próprio, que é única capaz de dizer os limites de uma terra indígena, por isso, só cabe o texto constitucional e o indigianato, direito originário, para averiguar à luz da ciência, sobre os limites de direito territorial que é declarado”, argumentou o advogado do povo Xokleng.
Posições a favor do marco
O procurador do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina, saiu em defesa do marco temporal. “Precisamos proteger os direitos territoriais indígenas, sim, mas devemos também proteger os direitos dos proprietários, dos agricultores que são essências para o estado de Santa Catarina e do Brasil.
Da mesma forma, o advogado-geral da União (governo Bolsonaro), ministro Bruno Bianco Leal, defendeu a validade do marco temporal e disse que o debate das demarcações deve ser feito no Congresso Nacional.
“Tem que ser no Parlamento e não no Poder Judiciário que as discussões públicas devem ocorrer por excelência. A deflagração de processo demarcatório que contemple uma região, por si só, não é causa idônea que autoriza a emissão dos indígenas na posse, uma vez que depende de deliberação não só da Funai, mas do ministro da Justiça e Segurança Pública e, por último, do presidente da República’, ressaltou o ministro da AGU.
Foto: José Cruz/Agência Brasil