Corte Interamericana debate em Manaus relação entre clima e direitos humanos
Cientistas e ativistas pedem que parecer consultivo da Corte adote medidas para desacelerar o aquecimento global e salvar a população do planeta

Antônio Paulo, do BNC Amazonas em Brasília
Publicado em: 27/05/2024 às 23:08 | Atualizado em: 27/05/2024 às 23:08
As emergências climáticas, como a que o Brasil e o mundo estão vendo no Rio Grande do Sul, a proliferação de secas extremas, como a do Amazonas, em 2023, enchentes, deslizamentos e queimadas têm estreita relação com a violação aos direitos humanos.
Essa constatação já está sendo alardeada em documentos de instâncias governamentais e não governamentais, como o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) entre outros órgãos, que tratam sobre a crise climática no planeta.
Por isso, um grupo de cientistas e ativistas ambientais, que participa esta semana, em Manaus, das audiências públicas promovidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, defende medidas para desacelerar o avanço do aquecimento global, que é a causa dos eventos climáticos extremos.
Iniciado em Brasília na última sexta-feira (24) e agora em Manaus a partir desta segunda-feira (27) e até a próxima quarta-feira (29), a Corte Interamericana de Direitos Humanos promove o 167º período ordinário de sessões de audiência pública sobre Emergência Climática e Direitos Humanos.
Os eventos têm, portanto, o objetivo de debater a responsabilidade dos Estados nos fenômenos climáticos, gerados pelo aquecimento global.
Assim como encontrar medidas que devem ser adotadas para minimizar os danos causados, observando as determinações previstas na convenção americana de direitos humanos.
As audiências públicas da Corte acontecem no Teatro Amazonas, no período de 9h às 13h e de 14h30 às 19h.
Leia mais
Rio Grande do Sul padece e Amazônia já está sob ameaça de catástrofe
Parecer consultivo
Essas audiências públicas fazem parte do processo de elaboração de um parecer consultivo, documento que tem valor no Brasil e outros países da América Latina em casos de disputa judicial. Assim, os pareceres consultivos da Corte Interamericana são obrigatórios.
Nos casos em que são alegadas violações da Convenção Americana de Direitos Humanos, os tribunais nacionais são obrigados a utilizar os pareceres consultivos do tribunal para interpretar a convenção.
Mas, mesmo além de um caso específico, o parecer consultivo da corte tem grande influência nas políticas públicas e na legislação dos países.
Desse modo, pelo controle de convencionalidade, o poder público é obrigado a aplicar as normas de origem interna compatíveis com a Convenção Americana e com as opiniões consultivas da Corte.
Leia mais
Como ação de senadores e deputados afrouxou proteção do meio ambiente
Pedidos
Por conta disso, os cientistas e ativistas participantes das audiências, em Manaus, pedem que a corte inclua no parecer consultivo sobre a relação entre direitos humanos e a emergência climática, o foco nos gases de vida curta.
Embora a principal causa da elevação da temperatura do planeta seja o gás carbônico (CO2), que sobrevive 100 anos na atmosfera, ele não é o único gás que causa o efeito estufa.
De acordo com os especialistas, existe todo um grupo de gases que desaparece da atmosfera em menos de 30 anos. Alguns deles, como o metano, têm um poder de aquecimento 80 vezes maior que o gás carbônico.
Assim sendo, a redução desses superpoluentes climáticos de curta duração pode evitar quase quatro vezes mais aquecimento, até 2050, do que as estratégias baseadas apenas no carbono.
Emissores de gases
Portanto, essa redução pode ser feita concentrando as ações em três setores econômicos que mais emitem esses gases: a produção de energia, principalmente petróleo e gás, agricultura e resíduos, ou seja, lixo.
De acordo com os cientistas envolvidos, já existem tecnologias viáveis para reduzir essas emissões em 45% até 2030 para atingir quase 0,3°C de aquecimento evitado até 2040.
“É fundamental reduzir a taxa de aquecimento no curto prazo para evitar impactos catastróficos e violações massivas dos direitos humanos e isso exige uma ação imediata e focada”, alerta Romina Picolotti, presidente do Centro de Direitos Humanos e Meio ambiente (CEDHA), da Argentina, e consultora sênior para assuntos de mudanças climáticas do IGSD (Índice Global de Sustentabilidade de Destinos)
Ainda, segundo Picolotti, hoje a única forma de abrandar a taxa de aquecimento no curto prazo é abordar os gases de vida curta, além do CO2.
“Ainda podemos salvar tudo e não deixar ninguém para trás”, diz ela.
Leia mais
Impactos na Amazônia
A floresta Amazônica, um dos depósitos mais extensos de biodiversidade do mundo, que abriga 40% das florestas tropicais ainda existentes no mundo e 25% da biodiversidade terrestre, vê a sua existência ameaçada.
Além disso, se a tendência de desmatamento amazônico continuar e ultrapassar o ponto de inflexão, haverá impactos devastadores para a regulação das chuvas.
Entre outros impactos, considera-se na região um aumento entre 100-200% de pessoas afetadas por inundações, uma maior transmissão de enfermidades como malária, dengue e chikungunya.
Além de efeitos negativos de até 85% na fauna e flora da região, a diminuição de colheitas em função de secas cada vez mais frequentes, a redução de agricultura em virtude da elevação de temperatura e a redução de pesca derivada da acidificação do oceano.
Populações atingidas
Ademais, de acordo com o quinto relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), os efeitos adversos da mudança climática serão sentidos com mais força nos setores da população que já se encontram em situações de vulnerabilidade.
Isso relacionado a fatores como o efeito nos lugares onde vivem (zonas costeiras ou rurais), a pobreza, o gênero, a idade, o pertencimento a povos indígenas, a raça ou origem étnica, a origem nacional, a condição de migrante, entre outras.
Por exemplo, o relator das Nações Unidas sobre migração, em um relatório de julho do ano passado, destacou que 80% das pessoas deslocadas em função de fenômenos relacionados com o clima são mulheres e crianças.
Consequências
A Colômbia e o Chile pediram essa avaliação à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Um documento emitido por esses dois países diz o seguinte:
“A proliferação de secas, enchentes, deslizamentos e incêndios, entre outros, enfatizam a necessidade de responder de maneira urgente e efetiva”.
E prossegue:
“Nesse sentido, os direitos humanos não apenas fornecem uma perspectiva necessária para avaliar as consequências da emergência, mas também oferecem ferramentas fundamentais para buscar soluções oportunas, justas, equitativas e sustentáveis em relação à mesma”.
Comprovações
Para os países que solicitaram a avaliação, estas evidências comprovam o vínculo estreito entre a emergência climática e a violação de direitos humanos.
As normas, em matéria de direitos humanos, podem contribuir para acelerar as respostas à emergência climática, promovendo políticas para dar cumprimento às obrigações de respeito e garantia por parte de diversos atores-chave.
Debater este tema perante uma Corte regional permite, ademais, abordar não apenas as obrigações nacionais ou regionais, mas também aquelas vinculadas à cooperação internacional e as obrigações compartilhadas, mas diferenciadas, a partir de uma perspectiva de direitos humanos.
Opiniões
O diretor de pesquisa e políticas públicas do Centro Mexicano de Derecho Ambiental (CEMDA), Carlos Asúnsolo, diz que o parecer consultivo sobre mudanças climáticas é uma oportunidade histórica para a Corte Interamericana de Direitos Humanos estabelecer um padrão ambicioso e exemplar em matéria de ação climática.
“Neste contexto, não se deve perder de vista a importância de abordar as obrigações dos Estados em relação aos poluentes de vida curta, especialmente o metano”, adverte
Já Viviana Krsticevic, professora de Direito, no Washington College of Law da American University e diretora executiva do Centro para a Justiça e o Direito Internacional (Cejil), afirma:
“A opinião consultiva irá gerar uma diretriz para modificar as práticas estatais e empresariais, a legislação e a resposta da administração da justiça para acelerar a resposta à emergência climática com uma perspectiva de justiça, igualdade e direitos”.
Foto: Ronaldo Siqueira/especial para o BNC Amazonas