AmazĂ´nia: licenciamento ambiental para concessĂ£o de hidrovia Ă© ameaçado

Segundo o MPF, as comunidades indĂ­genas e tradicionais da regiĂ£o, potencialmente afetadas pela obra, nĂ£o foram consultadas

Publicado em: 23/09/2024 Ă s 23:21 | Atualizado em: 24/09/2024 Ă s 09:46

O MinistĂ©rio PĂºblico Federal (MPF) recomendou a suspensĂ£o imediata do licenciamento ambiental da Hidrovia TapajĂ³s, cuja implementaĂ§Ă£o inclui a dragagem (retirada de bancos de areia) e a sinalizaĂ§Ă£o nĂ¡utica do Rio TapajĂ³s, no ParĂ¡.

A recomendaĂ§Ă£o foi dirigida Ă  Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e Ă  Marinha do Brasil.

O MPF alerta que as comunidades indĂ­genas e tradicionais da regiĂ£o, potencialmente afetadas pela obra, nĂ£o foram consultadas, conforme determina a ConvenĂ§Ă£o 169 da OrganizaĂ§Ă£o Internacional do Trabalho (OIT).

A norma garante o direito Ă  consulta prĂ©via, livre e informada para qualquer projeto que impacte na vida, no territĂ³rio ou na cultura de povos tradicionais.

Segundo o prĂ³prio Dnit, as obras da Hidrovia TapajĂ³s estĂ£o previstas para começarem em outubro deste ano. O empreendimento estĂ¡ sendo planejado para abranger todo o comprimento do rio e inclui intervenções significativas ao longo do TapajĂ³s, como a dragagem para facilitar o transporte de grĂ£os e minĂ©rios vindos do Centro-Oeste do paĂ­s.

O MPF, no entanto, aponta que a obra ameaça diretamente a subsistĂªncia das comunidades que dependem do rio para pescar e se locomover, alĂ©m de alterar o modo de vida tradicional e impactar culturalmente povos indĂ­genas e ribeirinhos, como os habitantes da Reserva Extrativista (Resex) TapajĂ³s-Arapiuns e da Floresta Nacional (Flona) do TapajĂ³s.

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Consulta Ă s comunidades

A principal irregularidade identificada pelo MPF Ă© a ausĂªncia da consulta prĂ©via aos povos indĂ­genas e comunidades tradicionais potencialmente atingidos. Segundo o MPF, o Dnit e a Semas nĂ£o tomou as medidas necessĂ¡rias para garantir que essas comunidades fossem informadas e consultadas sobre os impactos do projeto, antes de avançar com o processo de licitaĂ§Ă£o e de licenciamento, que jĂ¡ estĂ¡ em estĂ¡gio avançado.

O Dnit jĂ¡ havia confirmado que o processo de contrataĂ§Ă£o dos serviços de dragagem e sinalizaĂ§Ă£o para a hidrovia estava em fase final, sem que houvesse diĂ¡logo com as comunidades locais. AlĂ©m disso, foi identificado que profissionais da empresa responsĂ¡vel pelo projeto foram avistados em territĂ³rio indĂ­gena para a realizaĂ§Ă£o de estudos da Ă¡rea, sem qualquer tipo de consulta ou permissĂ£o formal.

O MPF destacou que qualquer intervenĂ§Ă£o no Rio TapajĂ³s, que Ă© vital para a cultura e subsistĂªncia de diversos povos, precisa respeitar o direito Ă  consulta e Ă  autodeterminaĂ§Ă£o das comunidades afetadas. Os impactos sobre a biodiversidade e a pesca artesanal, atividades essenciais para a economia local, tambĂ©m foram levantados como preocupações centrais.

Ainda segundo a recomendaĂ§Ă£o, em todos os casos, relacionados Ă  Hidrovia TapajĂ³s ou a outros empreendimentos, a consulta precisa ser feita de boa-fĂ©, respeitando as prĂ¡ticas sociais, culturais e cronolĂ³gicas de cada comunidade, sem interferĂªncia de atores externos que possam influenciar o processo. O MPF reforça que o resultado das consultas deverĂ¡ ser verdadeiramente levado em consideraĂ§Ă£o antes de qualquer decisĂ£o sobre o licenciamento da hidrovia.

Recomendações

Diante das irregularidades, o MPF emitiu recomendações especĂ­ficas e fixou um prazo de 10 dias para que as autoridades informem o acatamento ou nĂ£o da recomendaĂ§Ă£o, bem como apresentem as providĂªncias tomadas. Caso a recomendaĂ§Ă£o nĂ£o seja atendida, o MPF poderĂ¡ adotar medidas judiciais para suspender o andamento do projeto.

  •  Ă€ Semas/PA: suspender imediatamente o licenciamento ambiental da Hidrovia TapajĂ³s, inclusive eventuais licenças jĂ¡ concedidas, atĂ© que seja realizada a consulta prĂ©via, livre e informada a todas as comunidades tradicionais e indĂ­genas potencialmente afetadas;
  •  Ao Dnit: suspender os processos licitatĂ³rios relacionados Ă  dragagem, sinalizaĂ§Ă£o nĂ¡utica e contrataĂ§Ă£o de empresa fiscalizadora, atĂ© a realizaĂ§Ă£o da consulta prĂ©via com as comunidades;
  •  Ă€ Marinha do Brasil: suspender quaisquer licenças, autorizações ou processos em concluĂ­dos ou em andamento, relacionados ao empreendimento, atĂ© que as consultas prĂ©vias sejam realizadas;


Impactos

A Hidrovia TapajĂ³s Ă© considerada uma rota estratĂ©gica para o escoamento da produĂ§Ă£o agrĂ­cola e mineral do Centro-Oeste para os portos do Norte do Brasil. No entanto, o projeto tem sido alvo de crĂ­ticas por parte de organizações indĂ­genas e ambientais, que apontam os riscos de desmatamento, degradaĂ§Ă£o ambiental e violaĂ§Ă£o dos direitos das comunidades tradicionais.

Para os povos indĂ­genas que habitam a calha do rio TapajĂ³s, o rio Ă© muito mais do que um simples corredor logĂ­stico: ele Ă© um espaço sagrado e vital para a manutenĂ§Ă£o de suas tradições, alimentaĂ§Ă£o e cultura. Intervenções como a dragagem podem alterar irreversivelmente o ecossistema local, prejudicando nĂ£o apenas a fauna aquĂ¡tica, mas tambĂ©m a relaĂ§Ă£o espiritual que essas comunidades mantĂªm com o rio.

AlĂ©m disso, a regiĂ£o do MĂ©dio e Baixo TapajĂ³s jĂ¡ enfrenta desafios como a expansĂ£o da produĂ§Ă£o agrĂ­cola e a pressĂ£o do agronegĂ³cio, que tĂªm contribuĂ­do para o desmatamento e a exploraĂ§Ă£o ilegal de recursos naturais, como madeira e ouro.

Com informações do MPF

Foto: AgĂªncia Brasil