O deputado federal Sidney Leite (PSD-AM) apresentou projeto que pede tradução das leis de referência de cada ente federativo para línguas maternas dos grupos indígenas brasileiros.
A proposta pede a tradução da Constituição Federal, das constituições dos estados, da lei orgânica do Distrito Federal e das leis orgânicas dos municípios para cada língua indígena.
De acordo com Leite, o objetivo da iniciativa é promover a inclusão, garantir cidadania e fortalecer essas comunidades, assegurando o acesso e a compreensão integrais dos seus direitos.
A proposição, de acordo com o texto, vai aprimorar a relação entre o Estado e os povos originários.
“Atualmente, a Constituição Federal já estabelece um capítulo específico para os indígenas, reconhecendo suas tradições e organização social”, diz Leite.
Entretanto, afirma ele, muitos grupos não compreendem a extensão dessas leis devido à barreira linguística.
O parlamentar amazonense lembra que a primeira tradução da Constituição Federal parar língua indígena apenas este ano, o que marcou um avanço na garantia dos direitos desses grupos.
Constituição Nhengatu
No último dia 19 de julho, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, lançou a primeira tradução oficial da Constituição Federal em língua indígena em São Gabriel da Cachoeira no Amazonas.
A tradução foi feita por indígenas bilíngues das regiões do alto rio Negro e médio Tapajós, na língua Nheengatu, o tupi moderno.
Para Leite, com mais de 1,6 milhão de indígenas no Brasil, é plausível inferir que uma parte significativa possui algum vínculo com sua língua materna.
“Portanto, a tradução para essas línguas representa um passo fundamental para fortalecer a integração desses povos com o restante da sociedade brasileira”, reforça o deputado federal.
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Diversidade
De acordo com informações oficiais do censo 2010, a diversidade linguística entre os grupos brasileiros é vasta, com cerca de 274 línguas diferentes, embora apenas cinco delas tenham mais de 10 mil falantes,
Para Leite, a viabilização do projeto também representa um sinal de reconhecimento da autodeterminação dos povos indígenas.
“Com essa proposta, espero que haja um debate realmente sério e enriquecedor no âmbito legislativo no que diz respeito aos direitos de nossos grupos indígenas”, completa o deputado.
Deputado Sidney Leite (PSD-AM) tem a causa indígena como uma de suas bandeiras. Foto/divulgação
Encaminhamento
Após analisar o teor da proposição, a mesa diretora da Câmara dos Deputados deverá encaminhar o projeto de lei ao debate nas comissões temáticas competentes.
Além disso, vai determinar se a proposta precisa de votação em plenário ou se terá caráter conclusivo, que tramita apenas nas comissões.
Reações indígenas
A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn ) recebeu de forma positiva o projeto de lei do deputado Sidney Leite.
O presidente da Foirn, Marivelton Baré, declarou como “importante projeto” para fazer valer o cumprimento dos direitos constitucionais dos povos indígenas.
Dessa forma, Baré lembra que o primeiro passo foi dado com o lançamento da Constituição Federal na língua yëgatu (nhengatu), em 19 de julho, na maloca da Foirn em São Gabriel da Cachoeira.
Portanto, a iniciativa do deputado vem reforçar os pedidos da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, da presidente da Funai, Joenia Wapichana, e da presidente do STF, Rosa Weiber.
“Cada vez mais tem que se ter o protagonismo indígena e o Executivo, assim como o Legislativo, precisam fazer cumprir esse direito constitucional”, ressaltou Marivelton Baré.
Demanda e finalidade
Já o procurador jurídico da União dos Povos do Vale do Javari (Unijava ), Eliésio Marubo, fez algumas ponderações sobre a proposta do deputado amazonense.
Na avaliação da liderança indígena, essa propositura tem dois vieses. Primeiramente, no conceito da produção legislativa, o deputado tem que estar alinhado com o seu Estado, com o seu público.
Tal alinhamento é necessário para saber de que maneira a proposição vai alcançar a finalidade que pretende.
“Nós temos tantas outras prioridades. Eu acho que de alguma maneira a atuação dos deputados do Amazonas ficam aquém daquilo que deveria ser”, critica o advogado indígena.
No entanto, Eliésio Marubo diz não querer criticar a medida, pois, pode ser que alguma região ou algum povo indígena queira a tradução das leis.
“Mas, entendo uma coisa: à medida que você propõe precisa ser sob demanda. Você não pode fazer as coisas simplesmente da sua cabeça sem ouvir aqueles que terão o benefício”, opinou.
Sem eficácia
Como sugestão de aprimoramento, o advogado da Unijava pergunta para quais línguas indígenas a tradução das leis ocorrerá e qual o seu verdadeiro uso.
“Então, a proposta seria boa se tivesse uma finalidade acadêmica, por exemplo, algo que cientificamente houvesse uma demanda da população indígena”, acrescenta.
Por conseguinte, o segundo viés tem uma vinculação à demanda de um povo ou de uma região. E isso o líder dos povos do Javari também não vê.
“Dito isso, pela falta dessas duas condições [finalidade e demanda], eu acho que essa propositura é só coisa mesma para inglês ver. Não vejo eficácia nenhuma”, finaliza Eliésio Marubo.
Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF