El Niño inflaciona preço do X-caboquinho
"Se as abelhas desaparecerem da face da terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência" - Albert Einstein

Wilson Nogueira, do BNC Amazonas
Publicado em: 03/06/2024 às 05:27 | Atualizado em: 03/06/2024 às 07:59
O elevado preço da polpa de tucumã, principal recheio do X-caboquinho, no mercado de Manaus (AM), está relacionado ao calor denso e prolongado registrado no Amazonas e estados vizinhos, no ano passado.
A observação é do professor doutor em Engenharia Florestal Rinaldo Sena Fernandes. Ele é titular da disciplina Produção Vegetal e Abelhas do Instituto Federal do Amazonas (Ifam – Campus Manaus – Zona Leste).
Rinaldo explica que mudanças drásticas da temperatura nas regiões Norte e Nordeste e chuvas volumosas e prolongadas, no Sul do Brasil, têm a ver com o El Niño, o aquecimento anormal da parte equatorial do Oceano Pacífico.
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Abelhas
O El Niño afetou a floração das plantas. Com isso, reduziu oferta de néctar e pólen às abelhas, polinizadoras que influenciam a produção de guaraná, pupunha, cupuaçu, açaí, tucumã e mel.
Esses produtos se destacam no mercado agrícola regional e são suscetíveis às mudanças climáticas extremas.
“O tucumã apresenta um agravante maior por ser uma espécie que tem alta demanda de mercado. Porém, com cultivo inexpressivo em virtude de suas características botânicas”,
enfatiza Fernandes em artigo exclusivo para este BNC Amazonas.
“Não há plantações manejadas que assegurem o consumo crescente de tucumã”, afirma.
Ao mesmo tempo, ainda de acordo com o pesquisador, é só observar o crescente número de casas de café regional em Manaus que têm no cardápio iguarias da culinária nortista com polpa de tucumã.

Calor aborta a floração
“O calor atípico, como o que enfrentamos no ano passado, provoca o aborto de parte da floração das plantas e reduz a quantidade de frutos”, explica Fernandes.
Ao mesmo tempo, as abelhas e outros insetos que se alimentam de néctar e pólen são impelidos a reduzir a polinização das fruteiras e, por consequência, decresce a produção de frutos e mel.
“O excesso de calor afeta as plantas; as plantas sob impacto do calor abortam as flores; sem flores não há frutos, sem frutos não existe produção; sem produção toda a cadeia de vidas é afetada”, disse Fernandes.

Açaí e a pupunha
Além do tucumã, outros dois frutos de largo consumo em Manaus, o açaí e a pupunha, estão ameados de desabastecimento por conta calor extremo e crescente, e chuvas intensas e prolongadas.
“Estive em feiras de Manaus, no começo do ano, e observei que o consumo de pupunha estava sendo abastecido por produtores de Roraima”, adiantou o pesquisador
Tucumã tem preços nas alturas
O quilograma da polpa de tucumã, ingrediente principal do sanduíche X-Caboquinho, pulou de R$ 60 para até R$ 250 em Manaus. O aumento atinge os 416,67%, em relação aos preços praticados no começo deste ano.
Queda de preço só daqui a sessenta dias
Os revendedores de tucumã em Manaus acreditam que o preço só deve cair daqui a sessenta dias, com a safra dos tucumanzais (a maioria silvestre) de Autazes, Rio Preto da Eva e Parintins, no Amazonas; de Boa Vista (RR); e de município do Oeste paraense.
No momento, o tucumã que chega a Manaus é procedente de Urucará (AM), município do Médio Amazonas, confirmam atacadistas da feira Manaus Moderna.
Raro no mercado, o preço saco do tucumã, com uma média de mil frutos, oscila, no atacado, entre R$ 850 e R$ 1.000. O preço do dia, entretanto, depende de vários fatores, entre eles, o volume de polpa por caroço e o sabor.
Cafés de bairros tentam fidelizar clientela
Por isso, nos boxes da feira Manaus Moderna, o preço do quilograma da polpa varia entre R$ 180 e R$ 200. Nas feiras de bairros, como na da Japiinlândia (Zona Sul), a mesma quantidade chega a R$ 250.
“Por aqui, o quilo da polpa de tucumã custa R$ 250. Eu só consigo mais barato porque tenho uma fornecedora que colhe o fruto no sítio dela”, explica Josi Félix, dona do Café da Josi (Japiinlândia).
A empreendedora revela que atua no ramo há 14 anos e nunca viu o preço da polpa de tucumã ir para as alturas. “O preço sempre subiu na entressafra, mas agora está demais”, reclama Josi.
Ela salienta que antes adquiria 15 quilogramas de polpa do fruto por semana e agora só compra 7 quilogramas, para fidelizar a clientela do X-Caboquinho e do Pão com Tucumã, sanduíches carros-chefes das casas de café regional.
Josi explica que essa redução é problemática “porque o cliente abre a porta, pergunta se tem tucumã e, se não tiver, ele nem entra”.
Não menos problemático é o repasse do preço do produto ao consumidor, porque os clientes também acham muito caro. O X-Caboquinho, que ela vendia por R$ 15, agora custa R$ R$ 22; e o Pão com Tucumã passou de R$ 10 para R$ 15.
Estratégia para não tirar o foco
Carlos Barbosa, que divide com a mãe, Ana Ruthe (foto abaixo), uma casa de café regional no Mercado Adolpho Lisboa, afirma que está há 8 anos nesse ramo de negócio e nunca viu o quilograma da polpa do tucumã passar dos R$ 100, na entressafra.
“Com essa alta exorbitante”, ele adotou como estratégia atender a uma quantidade bem menor de clientes, para não excluir o X-Caboquinho e o Pão com Tucumã do cardápio e, assim, contemplar os primeiros clientes.
“Depois não tem jeito, a não ser informar ao cliente que o produto acabou”, justifica.
Carlos afirma que os maiores consumidores de X-Caboquinho são os turistas nacionais que passam pelo mercado diariamente.

Diminuição forçada do consumo
O varejista Fabiano Soares, dono de um boxe na feira Manaus Moderna, diz que o preço do tucumã só vai cair daqui a dois meses, quando chegar ao mercado manauara os carregamentos de fornecedores de vários lugares do Amazonas, Pará e Roraima.
Ele acrescentou que, neste ano, começou a vender a polpa a R$ 70 o quilograma, e agora vende por R$ 180. O consumidor direto que, antes, comprava um quilograma por semana, agora só leva 500 gramas.
Como só consegue comprar pequenas quantidades de tucumã em caroço, ele mesmo faz a descasca e vende a polpa em quantidades menores, para que o consumidor direto tenha acesso ao produto mesmo nesse período de escassez.
Reserva florestal é campo de observação
Em Parintins (AM), os ecologistas e educadores ambientais Floriano Lins e Fátima Guedes cultivam uma pequena reserva agroflorestal no bairro Tonzinho Saunier, área urbana.
A observação direta dos microssistemas do pomar leva o casal à conclusão de que nos anos de secas extremas e, consequentemente de queimadas, a produção de frutos e de mel caem drasticamente.
O pé de tucumazeiro, que produz de quatro a cinco cachos por ano, passa para um ou dois cachos, no mesmo período.
Queimadas inibem polinização por insetos
A criação de abelhas jupará do casal, por sua vez, produz até 10 litros de mel por ano em condição ecológica equilibrada.
Caso haja seca extrema e queimadas, esses animais diminuem as buscas do néctar das flores, o que afeta o desempenho da polinização. Assim, não geram mel excedente para coleta humana e consumo de outros animais.
“Abelhas dessa espécie [jupará] não somem, mas produzem apenas o suficiente para sobreviver”, explica Lins.
Por isso, desde o ano passado até agora, o casal só colheu dois litros de mel das 25 melgueiras instaladas no pomar.
Abelhas uruçu e cabas sumiram
Floriano também observou que a polinizadora dos tucumanzeiros, a abelha uruçu, que se instala nos pés da palmeira, desapareceu do pomar.
O mesmo aconteceu com a abelha mangacaua – ou mangaua –, responsável pela polinização dos maracujazeiros, e com a vespa conhecida por caba tatu.
Lins acredita que esses animais foram impactados pela fumaça generalizada que atingiu, também, as áreas urbanas do Amazonas, no ano passado.
Outro evento atípico observado no sítio de Floriano e Fátima, neste ano, foi a ausência de floração da planta ora pro nobis, uma das preferidas das abelhas.
Produtores estão em alerta
O que acontece no pomar urbano também se repete na área rural, segundo informações trocadas entre apicultores e produtores de tucumã do município, adianta Lins.
No Paraná de Parintins, região produtora de mel silvestre, os criadores de abelhas estão em estado de alerta. É que os taxizeiros, árvores de igapós, ainda não foram atingidos pela cheia. O fenômeno ajuda na flora da espécie.
A floração do taxizeiro potencializa a produção de mel.
“Ouvi relato de um apicultor que só colheu um litro de mel de 100 melgueiras, desde o começo do ano até agora”, informa Lins.
Tucumanzal preservado em Vila Amazônia
Na Vila Amazônia, assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a preocupação é com o desempenho frutífero dos pés de tucumã.
Na área, resiste um tucumanzal que foi preservado mesmo diante da ameaça de suspensão dos recursos do Incra a uma família colocada na área endêmica da planta. A família de assentados preferiu preservar os pés de tucumã e apresentá-los como benfeitoria da gleba, em vez de derrubá-los.
Para Lins e Fátima Guedes, só resta como saída para o problema a realização de política pública de educação ambiental que atinja todos os segmentos sociais.
Efeito Isabelle Nogueira
Empresários do setor de alimentos, em conversa informal durante evento da Agência de Fomento do Estado de Fomento S/A (Afeam), na semana passada, deram a entender que o rareamento do tucumã em Manaus está ligado ao Efeito Isabelle Nogueira, alusão à top 3 do BBB24, A cubhã-poranga assumiu a divulgação da cultura amazonense por intermédio do reality show da rede Globo.
A artista chegou a ser homenageada pela promotora do reality com um café da manhã, no qual o X-Caboquinho e o Pão com Tucumã, foram expostos à degustação dos confinados e apresentados ao Brasil.
Houve a partir daí, segundo os empresários, uma explosão da demanda e uma oferta decrescente da polpa de tucumã.
Participantes do evento da Afeam especularam que a divulgação televisiva da iguaria amazonense atraiu atacadistas de alimentos de outros estados.
Teoria de Albert Einstein
O comportamento das abelhas diante da crise climática global, causada pela destruição da camada de ozônio da atmosfera terrestre, fator que ameaça de extinção a vida pela radiação solar ultravioleta, corrobora com a Tese das abelhas do físico Albert Einstein (1879-1955).
“Se as abelhas desaparecerem da face da terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência. Sem abelhas não há polinização, não há reprodução da flora, sem flora não há animais, sem animais
Albert Einstein.
Foto destacada: Josi Félix