Reconduzido ao cargo cinco meses depois de preso na operação Tapauara, em novembro de 2017, apesar de provas que levaram uma força-tarefa de órgãos públicos a acusá-lo de chefiar uma organização criminosa que envolveu mais de R$ 62 milhões em dinheiro público, principalmente em fraudes a licitações, o prefeito de Tapauá, José Bezerra Guedes (MDB), o “Zezito”, enfim, vai a julgamento no pleno do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM).
Zezito é filiado ao partido que no Amazonas é comandado pelo senador Eduardo Braga (na foto, à dir. ), de quem se gaba na cidade de ser protegido. Inclusive, seus aliados espalham que o prefeito recebeu recentemente ligação do senador tranquilizando-o quanto ao andamento do processo, afirmou fonte do BNC Amazonas .
Ele e mais dez dos 11 vereadores da cidade estão na pauta do dia 28 próximo para apreciação do agravo regimental criminal apresentado pelo Ministério Público do Amazonas (MP-AM) contra a decisão monocrática de desembargador da corte que os devolveu a seus cargos em abril de 2018.
Desde então, Zezito e os vereadores estão nos mesmos postos onde foram acusados pelo único membro da Câmara Municipal que não teria se corrompido, o vereador Davi Oliveira (PSC), de crimes de peculato, lavagem de dinheiro, corrupção, entre outros.
Verba do Fundeb
Zezito, de acordo com informações do processo 0008726-82.2017.8.04.0000/TJ-AM, era o chefe do esquema que desviou mais de R$ 62 milhões do pequeno município, a 449 quilômetros de Manaus, onde moram perto de 20 mil pessoas, sendo cerca de 60% na área urbana.
Os setores mais prejudicados pelo desvio de dinheiro público foram a saúde e a educação, por conta do uso do Fundeb (fundo federal do ensino básico).
Inúmeras mensagens trocadas entre o prefeito e seus aliados mostram que verbas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) também eram usadas irregularmente.
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Prefeito de Tapauá, vereadores e secretários desviaram R$ 60 milhões
Operação de força
A gravidade da atuação da organização criminosa era tanta que a operação Tapauara foi realizada por uma força-tarefa de peso. Dela participaram o Ministério da Transparência, a Controladoria-Geral da União (CGU), o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco)/MP-AM e a Polícia Civil, além do apoio da Força Aérea Brasileira.
Dez pessoas foram presas preventivamente, nove foram conduzidas coercitivamente e 29 locais foram alvos de busca e apreensão. Prefeitura, câmara, empresas e casas dos envolvidos foram visitadas pela operação no cumprimento dos mandados autorizados pelo Judiciário.
Reprodução/MP-AM
Os principais protagonistas
Além da prisão preventiva dos suspeitos, a Justiça mandou bloquear bens. Além do prefeito Zezito, são citados o presidente e o vice da Câmara Municipal, Alvemir Maia e José Pessoa, e os vereadores Luiz Avelino Epaminondas, Jones Edson, Metuzalem Rebelo de Castro, Mário Rubens, Gilson Laurindo, Cármen, Dr. Rosemberg Gonçalves Brandão e Antônio Dias.
Também aparecem como participantes do esquema Afimar Maia do Nascimento, que comandava a comissão de licitação da prefeitura; Euclides Brandão Guedes, representante do prefeito em Manaus e o homem que fazia a movimentação de dinheiro; Lourenço da Silva Souza, tenente da Polícia Militar; e os empresários Walter de Oliveira Maia, sua mulher Veridiana Moreira da Silva e seu filho Walter Luís da Silva Maia. Este, inclusive, disse que é estudante e que jamais pisara em Tapauá.
Outros servidores públicos da prefeitura, como Euclides Brandão Guedes (primo de Zezito), e câmara de Tapauá envolvidos com o grupo suspeito foram afastados de suas funções.
Longa espera dos tapauaras
A expectativa da população de Tapauá é grande com o que vai resultar do julgamento do recurso de Zezito neste dia 28 de maio.
Segundo o vereador Davi Oliveira, é possível que o prefeito e sua organização tenham voltado a cometer ilegalidades e, no mínimo, a comprometer as investigações e as provas colhidas.
Ele disse que precisou recorrer ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília, em abril deste ano, para que o processo fosse retomado, mais de um ano depois do escândalo inédito no Amazonas que levou à prisão o chefe do poder Executivo de Tapauá e quase 100% dos vereadores do Legislativo.
“Fui ao CNJ porque é impossível ficar calado diante da morosidade do TJ-AM. Para a população de Tapauá é um constrangimento e uma vergonha o município continuar nas mãos de quem lhe saqueou os recursos públicos”, disse o vereador.
De acordo com Davi, com a prisão de Zezito e os vereadores que a ele se associaram para cometer crimes contra a população, a sangria dos cofres de Tapauá foi estancada.
“Nesse período de cinco meses que o vice-prefeito Hilário Ramiro Filho (PCdoB ) ficou no cargo, e sem a câmara corrupta, o município se recuperou parcialmente em suas finanças. Tanto que o vice, ao ter de devolver a prefeitura a Zezito, por ordem do desembargador Ernesto Anselmo Chíxaro, deixou oito milhões de reais nos cofres. Resta às autoridades de contas saber a situação hoje”, afirmou.
Veja entrevista com o vereador Davi, o denunciante
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WM, peça-chave da organização
Peça-chave na atuação de Zezito e seu grupo foi o empresário Walter de Oliveira Maia, irmão do presidente da Câmara Municipal, Alvemir Maia, conhecido na cidade por “Gororoba”.
Dono da empresa WM, Walter ganhava quase tudo que era licitação em Tapauá. Mas, não realizava o serviço. Repassava para outras empresas, levando o prefeito a pagar duas vezes por contrato que nem era executado, segundo o MP.
“Era uma das estratégias do grupo formado para prejudicar Tapauá e sua gente”, disse Davi Oliveira.
No momento da realização da operação Tapauara, a WM de Walter e seus familiares tinha em mãos oito contratos de obras com Zezito. Segundo o secretário de obras da própria prefeitura, nenhuma concluída.
Faturamento extraordinário
Em apenas um ano de mandato de Zezito, a WM mexeu com mais de R$ 35 milhões de licitações fraudulentas da prefeitura. Sem nunca sequer ter recebido a visita de um fiscal do município nas obras, como manda a Lei das Licitações.
A WM concorria a qualquer licitação, em qualquer serviço. De aluguel de embarcações, mesmo sem possuir nenhuma, passando por merenda escolar até material de construção.
Até mesmo o sistema da folha de pagamento da prefeitura foi implantado pela WM. Isso foi confirmado à Justiça pelo próprio secretário de Finanças de Tapauá, Edvaldo Gonçalves da Conceição.
Tal era a influência da WM na administração municipal que a empresa bancava R$ 10 mil mensais ao pelotão da Polícia Militar em Tapauá.
À frente da tropa estava o tenente Lourenço da Silva Souza, que ficava com R$ 3 mil e distribuía o restante com os demais policiais. Foi o que ele mesmo declarou no processo.
Vereadores nada viam
Para avalizar a contratação da WM pelo prefeito, os vereadores suspeitos fechavam os olhos para qualquer irregularidade. Como recompensa, cada um ganhava o direito de indicar três pessoas para serem empregados por Walter.
Tudo isso está documentado em interceptações telefônicas do MP-AM, como a ligação em que Walter ordena a um dos envolvidos na organização:
“Dia 20 troca essa turma aí porque tem aqueles acordos com o pessoal lá da câmara, aí tem que ver quem troca deles e quem permanece”.
Até aborto o empresário Walter tinha de autorizar. Em 3 de novembro de 2017, ele dá ordem a um possível funcionário para que uma menina seja levada para Manaus.
“De modo que o aborto seja realizado de qualquer maneira”.
Compra frustrada de silêncio
Segundo a denúncia, Walter tentou comprar o silêncio e cooptar Davi para o grupo criminoso mesmo durante as investigações da operação Tapauara, em ação que foi gravada pelo vereador e apresentada ao MP-AM.
Diante do insucesso em “comprar” a cumplicidade de Davi, os vereadores José Pessoa e Luiz Epaminondas fizeram nova investida depois de Walter, de acordo com os autos do processo 0008726-82.2017.8.04.0000/TJ-AM.
Vereador Davi Oliveira, que apresentou denúncia ao MP
Possível crime eleitoral
O prefeito Zezito, no curso do processo, pode ser acusado ainda de cometer outro crime: não declaração de bens à Receita Federal.
Segundo Gerbson Tanaka Soares, que coordenou a campanha eleitoral de Zezito em 2016, ele omitiu no imposto de renda o patrimônio de R$ 9 milhões. Esse era em 2018 o valor da empresa JJ Navegações, ativa desde 2005.
Tanaka conta que em reunião com Zezito, sua assessoria jurídica e mais o contador da prefeitura, o prefeito decidiu que o valor não fosse declarado.
Em depoimento nos autos do processo, Tanaka afirmou que Zezito apresentou falsa declaração na prestação de contas da campanha à Justiça Eleitoral. Gastou R$ 1 milhão e informou só R$ 300 mil.
Zezito acompanha a varredura da Tapauara em sua casa
Família no alto escalão
Zezito empregou familiares e parentes de tudo que é grau na prefeitura, em nepotismo escancarado e contumaz que pode ser visto pela Justiça como crime de improbidade administrativa.
A mulher, Eliane Souza, e os cunhados do prefeito Elaine Souza, José Guedes e Edvaldo Souza foram agraciados com cargos de secretários na administração, fazenda e assistência social, no primeiro escalão da prefeitura.
Fartura de gravações
Em 13 de dezembro de 2018, a procuradora-geral de Justiça e chefe do Ministério Público do Amazonas (MP-AM), Leda Mara Albuquerque, oferece à relatora do processo no TJ-AM, desembargadora Joana Meirelles, extensa degravações das conversas travadas via celular entre o prefeito Zezito e seus principais aliados no esquema, como o sobrinho Euclides Guedes e o empresário Walter Menezes.
O relatório foi apresentado em virtude de envolvidos na Tapauara terem pedido ao tribunal a liberação dos bens apreendidos na operação.
Confira o relatório completo do MP ao TJ: Processo 0008726-82.2017.8.04.0000 TAPAUARA
Foto: Divulgação/leitor do BNC Amazonas