O movimento indígena e as entidades de defesa dos povos originários do Brasil respiraram aliviados, pelo menos nesta quarta-feira (26), porque a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da Câmara, adiou a votação do projeto de lei 490/2007.
A proposta altera o regime jurídico de demarcação das terras indígenas. Também adota o “marco temporal de ocupação”, em que se exige a presença física dos indígenas a partir de 5 de outubro de 1988, como condição para a demarcação de suas terras.
A tese desconsidera o histórico de expulsões, remoções forçadas e violências cometidas contra essas populações, em especial durante a ditadura militar.
Os deputados ruralistas argumentam que a tese deve ser aplicada a todas as demarcações e que faz parte da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).
No entanto, pelo menos cinco ministros do STF – Edson Fachin, Rosa Weber, Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski – já se pronunciaram em sentido contrário.
O PL 490 também regulamenta as 19 condicionantes fixadas no julgamento do caso “Raposa Serra do Sol” como regra geral para a demarcação de todas as terras indígenas no Brasil.
Além disso, modifica a sistemática constitucional relativa ao usufruto exclusivo dos povos indígenas; insere novos pressupostos na política de não-contato dos povos indígenas que vivem em isolamento voluntário e ainda dispõe sobre a abertura de terras indígenas para a realização de atividades econômicas não previstas atualmente.
“Em linhas gerais, o texto apresentado poderá inviabilizar demarcações de terras indígenas, ameaçar os territórios homologados e destituir direitos constitucionais, erigidos à cláusula pétrea na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), configurando-se como uma das mais graves ameaças aos povos indígenas do Brasil na atualidade”, diz a nota técnica emitida pelo Instituto Socioambiental (ISA).
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Indígenas isolados
O movimento indigenista considera um dos aspectos mais graves do PL 490 a brecha para o fim da política de “não contato” com os indígenas isolados.
O projeto prevê a hipótese de contato por “interesse público”, que poderia ser intermediado por “empresas públicas ou privadas” contratadas pelo Estado, inclusive missões religiosas, prática que deixou de ser adotada pelo Brasil desde a Redemocratização.
Desde o final dos anos 1980, a Funai estabeleceu que os grupos sem contato oficial com o Estado devem ter a opção de fazê-lo, no momento e na forma que acharem conveniente. Em contrapartida, o governo deve proteger seus territórios de invasores e da degradação ambiental.
“Essas populações são extremamente vulneráveis a contatos imprevistos e conflitos por não terem resistência imunológica a doenças contagiosas comuns entre os não indígenas, como gripe e tuberculose. Além disso, em geral estão em regiões remotas de difícil acesso, o que pode inviabilizar atendimento médico emergencial. Por isso, podem ser dizimadas em curto espaço de tempo”, explica a advogada do ISA, Juliana de Paula Batista.
Garantia constitucional
De acordo com o Instituto Socioambiental, o projeto vai contra direitos dos indígenas garantidos na Constituição, entre eles a posse permanente de suas terras e o direito exclusivo sobre seus recursos naturais.
Dessa forma, o PL 490 altera o Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973) e atualiza o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, “uma das maiores ameaças aos direitos indígenas que já tramitou no Congresso”, avalia o ISA
De acordo com o instituto, há hoje no país 66 áreas nessas categorias, com população de quase 70 mil pessoas e uma extensão total de cerca de 440 mil hectares, o equivalente a quase 3 vezes a cidade de São Paulo. Esses territórios e comunidades estariam em risco com a aprovação do PL 490.
O PL já passou pelas comissões de Agricultura e Direitos Humanos. Nesta última, recebeu parecer contrário. Portanto, caso seja aprovado na CCJ, segue ao plenário e, se também for aprovado, vai ao Senado. O relator é o deputado Arthur Maia (DEM-BA) e o autor, o deputado Homero Pereira (PR-MT), já falecido.
Risco à vida dos povos indígenas
Para a primeira mulher indígena eleita deputada federal, Joênia Wapichana (Rede-RR), o principal ponto do projeto a sua inconstitucionalidade, visto que quer se mudar a Constituição por meio de um projeto de lei.
“Como sabemos, os povos indígenas dependem da sua terra demarcada, protegida, assegurada. A própria Constituição fala isso. O objetivo é manter os povos indígenas, a sua sobrevivência física e cultural. Ameaçar esse direito, essa possibilidade de retrocesso é colocar em risco a vida dos povos indígenas”, analisa a parlamentar.
Presença do Amazonas na CCJ
Contando com apoio de ruralistas e deputados bolsonaristas, se aprovado, o PL abriria caminho para que a administração federal anule parcial ou integralmente TI “Reservadas” ou de “domínio indígena”, caso julgue que uma área não esteja sendo ocupada e usada adequadamente para a subsistência de seus moradores.
Dois deputados do Amazonas participam da CCJ, como membros-suplentes: Capitão Alberto Neto (Republicanos) e Delegado Pablo (PSL). Os dois parlamentares não se pronunciaram sobre o projeto de lei da demarcação de terras indígenas.
Com informações do ISA.
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