Funai pode estar manipulando indígenas para acelerar obra da BR-319

Reuniões administrativas estariam sendo realizadas pelo órgão indigenista, em aldeias do Amazonas, para obter autorização e licença ambiental da Manaus- Porto Velho

Funai deve incluir limites de terras indígenas em nove municípios de RO

Mariane Veiga, da Redação do BNC Amazonas em Brasília

Publicado em: 27/05/2022 às 18:43 | Atualizado em: 28/05/2022 às 04:47

A Fundação Nacional do Índio (Funai) pode estar manipulando reuniões administrativas, em aldeias indígenas no Amazonas, para acelerar o processo de licenciamento de reconstrução da BR-319.

A reconstrução da Manaus-Porto Velho ou a “estrada da integração” é uma promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL). Só que até agora, três anos e cinco meses de governo, a obra não avançou em nenhum palmo de asfalto.

O entrave ocorre em boa parte pelo não cumprimento das etapas ambientais cobradas pelo MPF e organizações que acompanham o processo para sua construção.

A denúncia de manipulação para acelerar a pavimentação da BR-319 está sendo feito por lideranças indígenas, Ministério Público Federal (MPF) e pesquisadores.

As “reuniões administrativas”, feitas pela Funai com os indígenas, estariam descumprindo a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Os termos da convenção asseguram a consulta livre, prévia e informada aos povos afetados por obras de infraestrutura.

De acordo com InfoAmazônia, no último 6 de maio, durante reunião promovida pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), do Ministério da Economia, a coordenadora de licenciamento ambiental da Funai, Carla Fonseca de Aquino Costa, afirmou que o órgão havia concluído a consulta prévia das comunidades indígenas.

Dessa forma, essa consulta estaria abrindo caminho para a emissão da licença para reconstruir a parte mais crítica da rodovia, o chamado ‘trecho do meio’ (km 250 a 655,7). recuperando a ligação terrestre entre Porto Velho (RO) a Manaus (AM).

Relato dos indígenas

Lideranças indígenas também relataram a pressão da Funai pela autorização para construção da estrada.

O presidente da Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus (Focimp), cacique Apurinã, afirma que indígenas teriam sido pressionados a assinarem as atas que dizem sim à obra, o que fere o caráter livre da consulta. “Eles relataram que as reuniões não ocorreram como eles queriam”, disse.

Outro indígena, que pediu para não ser identificado, relatou que, em uma das aldeias, a comunidade queria mais aprofundamento dos estudos, mas representantes do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e da Funai afirmaram que não havia mais tempo para estudos.

“Fomos informados que se os indígenas não aceitassem correriam o risco de ficar de fora das compensações, e que não tinham mais tempo para novos estudos”.

MPF contesta consulta

O MPF e pesquisadores presentes no encontro foram pegos de surpresa com a informação e contestaram a realização das consultas.

Para o Ministério Público, a Funai violou os termos da Convenção 169 ao considerar a realização da consulta prévia em reuniões que não tinham tal finalidade, descumprindo o caráter prévio, livre e informado do tratado internacional.

“Os povos indígenas e comunidades tradicionais (ribeirinhos/extrativistas) não estão sendo consultados sobre a BR-319 nos moldes da convenção, e estão tendo seus direitos violados”, disse o MPF ao InfoAmazonia.

O MPF também contesta a abrangência da consulta, que se limitou apenas às comunidades no raio de 40 quilômetros do trecho a ser licenciado, ignorando os impactos que a obra terá em toda a região considerada de influência da BR-319, que inclui abertura de vias planejadas e de ramais (estradas secundárias) por causa da rodovia.

“Esse modelo que está sendo adotado é bastante inadequado”, criticou o procurador Fernando Merloto, do MPF do Amazonas. A Funai diz seguir as regras estabelecidas pela portaria interministerial 60/2015, que aponta perímetros mínimos para o licenciamento ambiental e se pautar pelas as normas da convenção 169 da OIT.

O que diz a Funai

Por meio de nota, a Funai diz que não aplicou “nenhum tipo de coação para decisão [dos indígenas]” e que “criar novos procedimentos não previstos pode ser uma forma indireta de postergar a decisão sobre a viabilidade do projeto e paralisá-lo”.

Segundo o órgão indigenista oficial, as consultas aos indígenas foram realizadas durante a elaboração do Estudo do Componente Indígena (ECI) e audiências públicas nas terras indígenas Lago Capanã, Ipixuna, Nove de Janeiro, Ariramba, Apurinã do Igarapé Tauamirim e Apurinã do Igarapé São João, que estão no raio de 40 km da rodovia.

“O processo de consulta começa quando a gente vai apresentar a equipe e o plano de trabalho para explicar para os indígenas como eles vão ser estudados”, justificou Carla Fonseca, durante a reunião do PPI.

Com informações do portal InfoAmazônia.

Leia mais

‘BR-319 não foi feita até hoje e nem será’, diz Alfredo Nascimento 

Foto: Divulgação/Funai