A greve dos rodoviários de Manaus, que se encerrou nesta segunda-feira, dia 4, após sete dias de duração e com a prisão de, ao menos, dez manifestantes, 61 ônibus quebrados, populares feridos e milhares de usuários sem conseguir sair ou voltar para casa, não pode ser vista como um fato isolado. Ela se junta ao conjunto de acontecimentos vividos no país nos últimos cinco anos que quebra o simbólico e fino véu de poder da autoridade pública e expõe que a confiança dos brasileiros nas instituições de governo é quase nenhuma.
As cenas de revolta do povo registradas nesta segunda-feira, no coração da zona leste de Manaus, a região mais populosa da cidade, extravasaram o basta do cidadão, do passageiro, do trabalhador, do estudante, que tem valido menos do que os centavos que compõem o preço da passagem . Este, aliás, uma caixa-preta nunca aberta, nunca mostrado às claras.
Basta lembrar que quando a tarifa aumentou de R$ 3 para 3,80, patrões e empregados , hoje em um fingido conflito, comemoraram a conquista, enquanto para o usuário sobrava a demagógica promessa de que o reajuste traria ônibus novos, com ar-condicionado, portas adaptadas para a Faixa Azul, acessibilidade para cadeirantes e ainda sobraria dinheiro para colocar internet nos veículos.
Essas promessas amenizaram os ânimos naquele início de 2017. Contudo, passado um ano, a frota continua envelhecida, os mimos prometidos não chegaram e, ao invés de avanço, um retrocesso de uma luta de classe trabalhadora. Favorecidos mesmo só uma meia dúzia de sindicalistas, de uma mesma família, e outra meia dúzia de empresários.
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Serviço desrespeitoso
O prejuízo fica para a população inteira de uma cidade, que paga alta tarifa por um serviço desprovido do mínimo de qualidade, de respeito ao usuário consumidor. Isso com a conivência de quem caberia fiscalizar, representar o cidadão na proteção de seus direitos.
Paciência tem limite. E a do pacífico povo de Manaus já dá sinais de que chegou a essa divisa. A manifestação deste 4 de junho, não fosse a firme intervenção da força de segurança do estado, poderia tranquilamente ter resultado em uma tragédia. O clima de guerra no local do protesto chamava para isso.
Outro exemplo de que há uma fronteira para a paciência do povo se viu no fim de maio. A greve dos caminheiros parou o país e mostrou a ineficiência e a ausência total de confiança nos governos. Da mesma, no Amazonas, o estouro da paciência levou professores a promover o maior movimento paredista dos últimos tempos (foto ), obrigando o governo a ceder a tudo, ou quase tudo, o que os manifestantes queriam.
Não diferentemente ocorreu com os policiais militares, que também arrancaram suas conquistas trabalhistas na base da pressão ao governo.
Todos esses movimentos guardam semelhanças entre si: demandas reprimidas a décadas, que se resolvem com alguns dias de pressão e uma mobilização eficiente das categorias. Mostram ainda que os governos, em todas as esferas, não estão fazendo a leitura correta do poder que há na manifestação coletiva e articulada.
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Pedagogia da pressão e da falta de confiança
E, pelo que se viu, esses atos criam uma pedagogia de que o caminho é esse, alimentado pelo descrédito das autoridades e das instituições, tal qual ficou demostrado com o que os distúrbios de ontem de Manaus fizeram com a Polícia Militar.
A corporação tentou contornar a situação do quebra-quebra dos ônibus e não conseguiu de pronto. Só depois de umas três horas de muitas pedradas dos manifestantes, respondidas com bombas de efeito moral, balas de borracha e muito spray de pimenta nos olhos da imprensa e dos populares, é que o distúrbio se acalmou. E graças também ao sol que se levantava da zona leste para torrar a cabeça de todos no campo aberto da bola do Produtor, quando já se aproximava o meio-dia.
Esse acontecimento em Manaus veio para mostrar que nem o poder das palavras, nem o poder das forças de segurança, estão sendo suficientes para conter o estado de insatisfação e de falta de confiança da sociedade.
O povo está gritando. Basta apenas um ouvido para compreendê-lo.
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Foto: BNC Amazonas