A ação que deve contestar a legalidade da PEC dos auxílios nem chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF ) – mas, nos bastidores da Corte, a vitória do presidente Jair Bolsonaro começa a ser desenhada.
Quando uma ação chega ao STF, a primeira vitória – ou derrota – está no resultado do sorteio do relator. Os processos são sorteados para a relatoria de um dos dez ministros – o presidente é excluído da sistemática. Mas, em alguns casos, o relator já está previamente definido.
Há duas semanas, chegou à Corte uma ação que pedia a suspensão da tramitação da PEC no Congresso Nacional. André Mendonça foi sorteado para cuidar do caso e negou a liminar. Explicou que o Judiciário não pode intervir na atividade do Legislativo.
Regra interna do tribunal determina que processos sobre o mesmo assunto sejam encaminhados para o mesmo ministro. Em linguagem jurídica, Mendonça estaria prevento para relatar o processo que o partido Novo planeja enviar ao STF contra a PEC nesta semana.
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A prevenção de Mendonça é motivo de festa no Palácio do Planalto. O ministro, escolhido por Bolsonaro para ocupar uma das 11 cadeiras do STF, é visto como um dos principais interlocutores do governo na Corte. O outro é Kassio Nunes Marques, também nomeado pelo presidente.
Desde que sentou-se na cadeira do STF, Mendonça deu a Bolsonaro provas de fidelidade e alinhamento ideológico.
Um deles foi quando impediu que a PEC fosse derrubada antes mesmo de ser promulgada. Em junho, pediu vista do julgamento sobre o deputado bolsonarista beneficiado por uma liminar de Nunes Marques.
No tribunal, há quem pondere que Mendonça não necessariamente seria o relator da ação contra a PEC. Como seriam tipos de processos diferentes, um específico e outro de natureza mais ampla, a regra da prevenção não se aplicaria. Mas há precedente do uso da norma para casos de classes processuais distintas.
Quando há dúvida no tribunal sobre se o caso é de prevenção ou não, cabe ao presidente do STF decidir o destino do processo: se será sorteado entre os 10 ministros, ou se vai para um gabinete predeterminado.
Se for mesmo designado relator do processo, a expectativa é que Mendonça tenha dois caminhos a seguir.
Um deles é, com uma canetada, negar o pedido do Novo e manter a validade da PEC. Na sequência, ele poderia adiar indefinidamente o envio do caso para julgamento em plenário, se aguentar a pressão política.
A outra alternativa seria engavetar o processo, repousar a caneta e não tomar decisão nenhuma. A inação seria uma forma de manter a PEC em vigor sem se desgastar tanto.
Em um cenário alternativo e menos provável, se não for aplicada a regra de prevenção para a ação do Novo, a relatoria do processo seria sorteada para um dos dez ministros do STF.
Nesse caso, o destino do processo dependeria do perfil do relator. Se o caso cair nas mãos de Nunes Marques, Bolsonaro também poderá ter esperança de vitória.
Em caráter reservado, ministros do tribunal ouvidos pela coluna consideram mais prudente julgar a ação do Novo a partir de novembro, quando as eleições tiverem sido concluídas.
Seria uma forma de a Corte se eximir de enfrentar uma matéria polêmica no meio do processo eleitoral. “A tendência é que o tribunal julgue depois da eleição”, disse um ministro do STF em caráter reservado.
Entre ministros, há indicativo de que a PEC é inconstitucional. A avaliação é de que abrir uma caixa de bondades nas vésperas das eleições é uma forma ilegítima para conquistar mais eleitores.
Ainda assim, não necessariamente o STF estaria disposto de julgar a PEC inconstitucional. Diante do placar acachapante no Congresso pela aprovação da proposta, com iniciativa do governo e apoio da oposição, derrubar a medida seria uma clara afronta do STF ao Congresso e ao Planalto, em meio a um processo eleitoral conturbado, apimentado pela crise entre os Poderes. “Vamos ver se o STF vai ter coragem de derrubar essa PEC”, duvidou um ex-ministro da Corte.
Se o STF considerar a PEC inconstitucional, o governo encontrará outra pedra no caminho: o Tribunal de Contas da União (TCU). Ministros do Tribunal de Contas dizem que, nesse cenário, é possível responsabilizar quem liberou o dinheiro dos benefícios sabendo que a medida estava sendo juridicamente questionada. Na semana passada, o Ministério Público junto ao TCU pediu para o tribunal alertar Bolsonaro sobre as consequências legais de implementar de imediato a PEC dos auxílios.
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Foto: Nelson Jr/SCO/STF