A Secretaria de Fiscalização de Aquisições Logísticas (Selog), do Tribunal de Contas da União (TCU), acompanhou a execução de despesas, realizadas com recursos federais, voltadas para o enfrentamento da pandemia de covid (coronavírus) no período de 20 de abril de 2020 a 31 de março de 2021.
Nesse levantamento, 120 processos foram examinados pelas unidades técnicas do TCU com valores estimados em R$ 756 milhões. Encontradas irregularidades na aplicação dos recursos, foram instauradas 48 representações correspondente a cerca de R$ 356,8 milhões.
Entre as representações, quatro são do estado do Amazonas, com valores de R$ 17 milhões envolvidos.
O processo nº 021.407/2020-7 trata sobre a aquisição de álcool em gel pela Prefeitura Municipal de Manaus. O valor estimado é de R$ 705 mil. Julgado pelo plenário do TCU, a matéria foi considerada procedente.
Após provocação pela corte de contas, a Secretaria Municipal de Saúde de Manaus realizou termo de negociação de valor com a empresa contratada, que reduziu o pagamento do valor unitário do produto “álcool em gel” de R$ 23,50 para R$ 16, resultando em benefício financeiro da ordem de R$ 225 mil.
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O processo nº 021.408/2020-3 é sobre a aquisição de álcool líquido pela Prefeitura Municipal de Manaus. O valor estimado é de R$ 747 mil. A Segunda Câmara do TCU determinou a conversão em Tomada de Conta Especial e a citação dos responsáveis.
O objeto do processo nº 033.121/2020-6 é a prestação de serviços de transporte sanitário de pacientes (UTI aérea) pelo Governo do Estado do Amazonas, com valores estimados em R$ 4.151.079,00. Está em fase de diligência, aguardando respostas.
Já o quarto processo de nº 039.538/2020-6, envolvendo recursos no valor de R$ 11.492.675,00, investiga a aquisição de kit de merenda para distribuição aos alunos da rede municipal pela Secretaria Municipal de Saúde de Manaus. A representação foi autuada e está em fase de instrução.
Situação do Norte
Os estados do Norte respondem por 29% das ações (14 das 48), com destaque para Roraima, com 7 autuações e R$ 93,69 milhões envolvidos.
O TCU instaurou 2 processos no estado de Rondônia (R$ 6,75 milhões) e 1 em Tocantins cujos valores estão estimados em 3 milhões.
O total de recursos envolvidos nas possíveis irregularidades encontradas nos quatro estados nortistas chegam a R$ 120,55 milhões.
Maioria está nas regiões mais pobres
Ao serem analisados todos os processos, verificou-se que das 48 representações autuadas, 35% delas ocorreram em aquisições de estados e municípios da região Nordeste, índice considerado muito alto pelos ministros do TCU.
Assim, há indícios de que os maiores desvios dos recursos federais para o enfrentamento da pandemia estariam ocorrendo nessas duas regiões, Norte e Nordeste, que, juntas, respondem por cerca de 64% das representações até então atuadas com vistas às apurações das irregularidades detectadas.
“É doloroso lembrar que essas são as regiões mais pobres do país e mais vulneráveis aos malefícios da pandemia. São as regiões com menos renda, menos instrução, menos condições sanitárias, menos profissionais de saúde, menos hospitais e, no entanto, com indícios de maiores desvios dos recursos federais destinados ao combate à pandemia. Não é sem razão que são as regiões mais pobres e vulneráveis do país”, declarou o ministro Augusto Sherman Cavalcanti (foto ) em seu voto.
Entre as principais constatações obtidas no trabalho, destacam-se:
• Escolhas de empresas recém-criadas, sem experiência ou com ramos de atividade ou porte econômico incompatíveis com os objetos a serem adquiridos;
• Direcionamentos de contratações para fornecedores específicos;
• Vedações indevidas à participação em certames ou ao fornecimento por microempresas e empresas de pequeno porte,
• Conflitos de interesses decorrentes de conluios entre empresas, de participação de “sócios-laranjas” e de vínculos de empresas com gestores diretamente envolvidos nas contratações;
• Consultas exclusivamente a fornecedores, em detrimento de referências de preços públicas, o que fez com que fossem firmados contratos com sobrepreço em quase todos os casos examinados;
• Contratações com dispensa de licitação a preços mais elevados do que os obtidos mediante licitação e registro dos respectivos valores no Painel de Preços;
• Pesquisas realizadas junto a um único fornecedor,
• Adoção de preços de localidades distintas daquelas em que seriam realizadas as compras ou as entregas, com pesquisas de preços forjadas
• Realização de adiantamentos de pagamentos, sem observar a qualificação de fornecedores;
Necessidade de ampliação
O ministro Augusto Sherman avalia que esse trabalho realizado pela Selog, em conjunto com as Secretarias Regionais do TCU traz “pequeno retrato” da utilização dos recursos federais destinados a esse enfrentamento da pandemia.
Dessa forma, ele considera que o volume de recursos analisado, no universo dos 120 processos selecionados, de apenas R$ 756 milhões, representa só 0,65% do total repassado aos estados e municípios no valor de R$ 115,35 bilhões, sendo R$ 113,5 bilhões no ano de 2020 e R$ 1,85 bilhão em 2021 (até 16/3).
“Isso significa que a amostra analisada foi muito pequena considerando o total dos recursos públicos federais que foram aplicados. Nesse sentido, julgo importante que o presente trabalho considere ao menos três outros pontos que certamente podem contribuir com o objetivo de esclarecer aos brasileiros sobre o uso dos recursos públicos em foco:
– a necessidade de ampliar ainda mais a abrangência da avaliação realizada, em termos de quantidade de processos selecionados;
– dar maior atenção nos recursos que foram disponibilizados para estados e municípios do Norte e do Nordeste, onde os elementos apontam a existência de maior risco de desvios.
– ampliar a fiscalização e obter dados para saber em cada unidade federativa o quanto foi aplicado em contratos e o quanto foi aplicado em outras finalidades.
Recursos gastos pela União
Verificou-se que o montante dos gastos executados pela União no combate à covid, no período avaliado, foi de R$ 410,6 bilhões em 2020 e R$ 3,3 bilhões em 2021 (até 16/03), enquanto a estados e municípios, foram repassados R$ 113,5 bilhões em 2020 e R$ 1,9 bilhão em 2021 (até 16/03).
De acordo com o relatório do TCU, o governo federal liberou para o governo do Amazonas, em 2020, R$ 1,41 bilhão e R$ 1,1 bilhão aos 62 municípios, um total de R$ 2,51 bilhões.
Entre janeiro e março de 2021, a União repassou para o combate à covid ao governo amazonense o valor de R$ 31,34 milhões e outros 8,34 milhões aos municípios, perfazendo um montante de R$ 39,68 milhões.
Entre janeiro e março de 2021, a região recebeu R$ 210,37 milhões de acordo com levantamento da Selog/TCU.
Em 2020, os estados e municípios da Região Norte receberam R$ 13,42 bilhões para tratar a covid e suas implicações médicas, econômicas e sociais.
Veja a tabela dos estados do Norte
UF Ente 2020 TOTAL (R$) 2021 (até 16/03) TOTAL (R$) AC Estado 781.871.882,00 15.216.294,00 Municípios 263.822.082,00 1.480.000,00 AP Estado 827.873.573,00 13.685.332,00 Municípios 276.209.622,00 4.480.000,00 AM Estado 1.416.520.857,00 31.346.722,00 Municípios 1.100.307.376,00 8.340.000,00 PA Estado 2.383.326.018,00 43.874.385,00 Municípios 2.039.482.712,00 17.800.000,00 RO Estado 840.873.908,00 17.744.383,00 Municípios 504.095.243,00 5.668.000,00 RR Estado 714.697.337,00 12.730.510,00 Municípios 235.839.973,00 2.480.000,00 Municípios 639.042.043,00 8.558.000,00 TO Estado 861.666.019,00 16.490.225,00 Municípios 544.027.630,00 10.480.000,00 TOTAL 13429656,27 210373851
Foto: TCU/reprodução/YouTube