Há uma dúvida razoável no meio jurídico, que vai se ampliar com a consulta do poder Legislativo do Amazonas ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre qual o caminho a seguir para eleger o novo mandatário do Governo do Estado.
Especialistas na matéria, desde o dia 4 de maio de 2017, tão logo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) referendou tese levantada pelo ministro Luís Roberto Barroso, de que o governador cassado deve ser substituído em uma nova eleição, direta, como previsto na chamada recente minirreforma eleitoral, de 2015.
Outros defendem que a Lei Maior, a Constituição do Brasil, manda que seja realizada eleição, mas de forma indireta. Ou seja, no parlamento estadual.
Há ainda quem fale que o governador cassado seja mantido no cargo enquanto se socorre de recurso à corte suprema, o STF, intérprete maior de matéria constitucional, até o trânsito em julgado (decisão final) da questão.
Em meio a tantas interrogações sobre que caminho tomar, o juiz aposentado Divaldo Martins dos Santos fez uma manifestação com o intuito de colaborar e instruir os mais leigos e aclarar, com sua opinião experimentada e competente, qual deve ser o destino desse imblóglio jurídico.
Vale a pena conferir o artigo do magistrado, em transcrição ipsis litteris:
A decisão do TSE, que confirmou a cassação do mandato do Governador José Melo, pelo TRE, teve por base duas questões de fato, contrárias ao Direito: 1. captação ilícita de sufrágio (votos); 2. condutas vedadas ao agente público que disputa cargo eletivo (em 2014, ele, Governador, buscou a reeleição, sem afastar-se do cargo).
Olhada a questão por uma perspectiva exclusivamente de processo-ciência, dir-se-á que a jurisdição se exauriu para ele na instância de revisão da matéria – no âmbito do TSE. Isto porque, como é de cediço conhecimento em processo-ciência, e, como positivado entre nós, com natureza constitucional, não cabe recurso extraordinário, para o STF, para simples reexame de prova, havendo, inclusive, vedação sumular a respeito (cf., Sumula no. 229 do próprio STF).
Poderão os seus advogados, todos exímios esgrimadores do Direito, mediante sutil jogo dialético, aparelhar Recurso Extraordinário, para o STF, visando ao reexame da prova dos autos, de forma a demonstrar que aqueles ilícitos eleitorais não ocorreram, ou, acaso ocorridos, não tiveram potencialidade ofensiva capaz de modificar a vontade popular manifestada nas urnas.
Todavia, esse apelo extremo se revelará aventuresco, um barro atirado à parte (se colar…), não vindo sequer a ser recebido pelo presidente do TSE, ou, acaso recebido, não vindo a ser conhecido pelo STF, máxime, agora, depois dos duros questionamentos da sociedade sobre a sua atuação pendular, na interpretação da Constituição, nos últimos tempos, quase sempre em favor de acusados poderosos.
O reparo que os mais doutos poderiam fazer à decisão do TSE – admita-se, para argumentar – seria apenas quanto à determinação de realização de eleição direta, pela Justiça Eleitoral, para o “mandato tampão”, pois essa decisão colide com a regra do art. 81 da Constituição Federal, que prevê eleição indireta, para os cargos Presidente e Vice-Presidente da República, pelo Congresso Nacional, sempre que a vacância dos cargos ocorrer “nos últimos dois anos do período presidencial”, cujo dispositivo, principiologicamente, deve ser aplicado, nas eleições suplementares para Governador e Vice-Governador, pela Assembleia Legislativa, quando a vacância dos cargos ocorrer nos últimos dois anos do período governamental (como sói ocorrer no caso em comento).
Aliás, está é a regra que foi fixada no art. 52 da Constituição do Estado do Amazonas, em simetria com a regra constitucional atrás referida. Ademais disto, o próprio STF, em julgamento de Ações Diretas de Inconstitucionalidades, já proclamou que “o Estado-membro dispõe de competência para disciplinar o processo de escolha, por sua Assembleia legislativa, do Governador e do Vice-Governador do Estado, nas hipóteses em que se verificar a dupla vacância desses cargos nos últimos dois anos do período governamental”, como “decorrência da capacidade de autogoverno que lhe outorgou a própria Constituição Federal” (cf., ADI no. 1.057, relator Ministro Celso de Melo; no mesmo sentido, ADI no. 2.709, relator Ministro Gilmar Mendes).
É fato que a Lei Federal no. 13.165/2015, ao dar nova redação ao art. 224 do nosso vetusto Código Eleitoral (de 1965), fixou uma cronologia diferenciada para a realização de eleição indireta, para só admiti-la “se a vacância ocorrer a menos de seis meses do final do mandato”, sendo “direta, nos demais casos”, com o que estaria respaldada a decisão do TSE, mas, a toda evidência, essa nova regra legal (?) é flagrantemente inconstitucional, cuja inconstitucionalidade pode ser questionada “incidenter tantum”, no bojo de qualquer ação judicial, ou, mediante controle direto, pelo STF.
Sonegado, assim, pela decisão do TSE, direito subjetivo de natureza constitucional da Assembleia Legislativa do Estado, emerge, “ipso facto”, a sua legitimidade para recorrer para o STF, como terceiro prejudicado, contra tal decisão.
Nota da Redação : O texto acima, atribuído ao juiz Divaldo Martins, foi enviado ao BNC por uma fonte do site .
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