Obediente a Bolsonaro, presidente da Funai vira réu e acumula processos
Marcelo Xavier se orgulha de ligação com os ruralistas e é processado por desobedecer a ordem judicial de demarcação de área indígena no Pará
Ferreira Gabriel
Publicado em: 19/11/2021 às 15:22 | Atualizado em: 19/11/2021 às 15:22
Há dois anos e quatro meses no cargo, o presidente da Funai, Marcelo Xavier, cumpre a missão dada pelo presidente Jair Bolsonaro na política indigenista.
Na sua gestão, mais longeva do que a dos dez antecessores, nenhuma nova terra foi demarcada, feito inédito desde o fim da ditadura.
Os processos das áreas que estavam na fase final de delimitação estão parados.
Segundo o Ministério Público Federal, são 27 terras indígenas que somam cerca de 832 mil hectares — área equivalente a seis vezes o tamanho do Rio.
A autarquia também passou a incentivar o garimpo e a monocultura agrícola em reservas.
O prestígio junto ao chefe garantiu estabilidade, mas levou Xavier a ser contestado na Justiça.
O Ministério Público Federal, a Defensoria Pública e associações indígenas moveram mais de 40 ações para revogar portarias, rever nomeações e avançar em demarcações. Xavier é réu no Pará por descumprir ordem judicial que o obrigava a prosseguir com a demarcação do território Munduruku.
Na semana passada, a Justiça Federal do Mato Grosso determinou à Funai que tirasse do grupo técnico que cuida da demarcação do território Piripkura três pessoas ligadas a ruralistas e “sem competência técnica”.
Em outubro, a Defensoria Pública da União e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil pediram o afastamento de Xavier, alegando que ele “semeia a destruição das estruturas estatais” de proteção aos indígenas.
“É o mesmo argumento que usamos para pedir o afastamento do Sergio Camargo (presidente da Fundação Palmares). É inconstitucional nomear alguém que atue contra os interesses do órgão”, afirma o defensor público João Paulo Dorini.
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Nova política indigenista
Na defesa da Funai enviada ao processo, os advogados alegam que as acusações não passam de “conjecturas” e “ilações” de grupos que não aceitam a “nova política indigenista”, que não se restringe ao “assistencialismo subserviente e ao paternalismo explícito” de gestões anteriores, de orientação “socialista”.
A atual gestão se volta contra a causa indígena e atua para garantir o interesse do não indígena nas reservas — acusa o procurador Julio José Araujo Junior, coordenador do grupo do Ministério Público Federal de Prevenção a Atrocidades contra Povos Indígenas, lembrando as 29 ações do MPF para anular a instrução que permite a ocupação privada de terras indígenas ainda não homologadas. O MPF anulou a medida em 10 dos 15 estados em que acionou a Justiça.
O presidente da Funai não quis dar entrevista. A Funai disse que só se manifestaria nos processos e reafirmou que a atuação da autarquia é baseada “na legalidade, na segurança jurídica, na pacificação de conflitos e na promoção da autonomia dos indígenas, que devem ser, por excelência, os protagonistas da sua própria história”.
Xavier já entrou com dezenas de processos e pedidos de investigação contra líderes indígenas, parlamentares, procuradores e servidores da Funai.
Em um dos inquéritos instaurados na PF por difamação, os indígenas Sonia Guajajara e Almir Suruí foram intimados a depor, mas as investigações foram arquivadas.
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Foto: Anderson Riedel/PR