Tenho lido muitas manifestações, inclusive no campo da esquerda, afirmando que as penas impostas pelo STF aos primeiros réus dos atos golpistas são muito severas.
Vamos refletir sobre isso.
Os atos de 8 de janeiro não atentaram contra um bem secundário da sociedade, atentaram contra o Estado Democrático de Direito. Os réus agiram deliberada e conscientemente com o objetivo de quebrar a ordem democrática, invadindo, depredando e vilipendiando os prédios dos Três Poderes que representam essa ordem.
Talvez, sob um olhar superficial do que signifique Estado Democrático de Direito, possamos relativizar a ação dos golpistas réus. Acontece que é sob o Estado Democrático de Direito que estão protegidos todos os bens de maior valor a sociedade.
Atentar contra o Estado Democrático de Direito não é atentar contra algo abstrato e irrelevante, é atentar contra os direitos e garantias fundamentais, o direito à vida, à liberdade, ao meio ambiente, é atentar contra o direito ao voto direto – secreto e universal – a independência dos Poderes, o pluralismo político, a solução pacífica dos conflitos, a não intervenção, o sistema federativo.
Ou seja, é o Estado Democrático de Direito que protege todos os direitos e garantias fundamentais, coletivos e federativos, previstos nos artigos 1º a 5º. da Constituição e, que, são cláusulas pétreas. Tentar abolir o Estado de Direito é atentar contra todos os direitos e garantias.
Alguns argumentaram que faltou a individualização da conduta, que foi claramente afastado pela sentença diante do consistente voto do relator, ministro Alexandre de Moraes (acompanhado pela maioria), caracterizando crime de execução multitudinária, ou coletiva, quando todos contribuíram para um resultado a partir de uma ação conjunta.
As circunstâncias que também devem ser consideradas incluem a prévia ação direta do presidente da República, que convocou uma reunião com os chefes das Forças Armadas para tratar de um golpe. Além disso, houve a aceitação por parte do comandante de uma das forças (Marinha) e até a redação de um decreto. Todas essas evidências deixam claro que a ação dos réus ocorreu dentro de um contexto de tentativa articulada de um golpe de estado.
Todas as penas aplicadas estão estritamente em conformidade com o que a legislação prevê para cada tipo penal. Portanto, afasta-se categoricamente qualquer alegação de exagero na sua dosimetria. Tomemos como exemplo o réu Aécio Lúcio Costa Pereira, cujas penas foram: seis anos e seis meses pelo crime de golpe de Estado; cinco anos e cinco meses de reclusão pelo crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; um ano e seis meses de detenção e 50 dias-multa por dano qualificado; um ano e meses de reclusão e 50 dias-multa por deterioração do patrimônio tombado; e dois anos de reclusão por associação criminosa armada. As decisões judiciais refletem, assim, a aplicação imparcial da lei e o respeito aos princípios fundamentais do nosso sistema jurídico.
Poderiam argumentar ainda a ausência de materialidade, o que seria frágil não só pela clara relação das condutas com os tipos penais, tão rigorosamente detalhada na sentença, aqui sendo necessário registrar que os réus, por seus patronos, renunciaram a uma defesa técnica que demonstrasse a atipicidade das condutas, preferindo optar pela estratégia de confrontação com os ministros do Supremo e de lacração para gerar vídeos para a Internet.
Por fim, é preciso refletir que, tivesse o réu alcançado seu objetivo, milhares de democratas estariam condenados a penas muito mais rígidas, inclusive, a prisão, a tortura e até a morte. No entanto, sem direito ao contraditório, a ampla defesa e aos limites do que determina a lei e a Constituição. Não dá para dizer que isso é pouco e que deve ser relevado.
Muitos acham que essa gente é maluca. Essa gente não é maluca. Essa gente é má. É capaz de calar, perseguir, torturar e até matar quem pensa diferente deles. E não se constrangem de verbalizar isso, seja diretamente, seja quando vão ao disparate de homenagear um torturador como o coronel Ustra.
Não dá para ter dúvidas. A Justiça foi feita!
O autor é advogado e ex-deputado federal pelo Amazonas.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil