Marco temporal: Lula deixa passar ‘boiada’, criticam indígenas

Essa foi a primeira crítica contundente ao governo do movimento indígena

Lula quer ir a cidade indígena, mas aperto na agenda é que definirá destino

Antônio Paulo, do BNC Amazonas em Brasília

Publicado em: 30/10/2023 às 22:50 | Atualizado em: 31/10/2023 às 13:28

Ao comemorar um ano da vitória sobre Jair Bolsonaro, o presidente Lula da Silva (PT) amargou sua primeira crítica contundente, vinda de aliados e apoiadores de primeira hora.

Trata-se do movimento indígena brasileiro, que fez ponderações ácidas ao presidente da República pelo veto parcial, não total, ao projeto de lei 2.903/2023, que tratou do marco temporal sobre as terras dos povos originários.

A Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) disse que, com o veto parcial, Lula flexibiliza a passagem da “boiada”. É uma referência à declaração do ex-ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, o hoje deputado federal Ricardo Salles (PL-SP).

“A Apoinme frisa que o projeto de lei 2.903/2023 tinha outros agravantes que muitos falam em penduricalhos. Dessa forma, o conteúdo não vetado por Lula permite, por exemplo, a mineração em terras indígenas, o plantio de transgênicos, o incentivo de grandes empreendimentos nas áreas indígenas, a flexibilidade de propostas de projetos de atividade econômicas celebradas com não indígenas, a possibilidade que qualquer pessoa venha questionar processo demarcatório de terras indígenas, entre outras situações”, manifestou a articulação nas redes sociais.

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Vetos

No último dia 20 de outubro, o presidente Lula da Silva vetou parcialmente o projeto do marco temporal das terras indígenas, recentemente aprovado pelo Senado.

O governo barrou os principais pontos que ameaçavam a vida dos povos indígenas – inclusive o marco temporal, cuja inconstitucionalidade foi confirmada pelo STF.

Lula vetou total ou parcialmente 24 de 33 artigos do projeto de lei, mas não aderiu à ideia de um veto integral ao projeto de lei, como era solicitado pelos povos indígenas e seus aliados, por ministérios do próprio governo e pelo Ministério Público Federal (MPF).

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Absurdos

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) criticou o veto parcial ao marco temporal. Embora, reconheça que “absurdos” do projeto de lei foram barrados, a entidade disse que Lula perdeu a oportunidade de reafirmar direitos indígenas com veto integral.

O Cimi afirma que, parece ter pesado para a decisão do presidente uma perspectiva tática e ilusória de manter algum canal aberto com o Congresso Nacional e o receio de abrir distância com o agronegócio e setores que integram seu próprio governo.

“Porém, o presidente não aderiu à ideia de um veto integral ao projeto, como era solicitado pelos povos indígenas e seus aliados, perdendo a oportunidade de mostrar o rechaço à forma histórica com que os setores econômicos se utilizaram da política institucional para agredir os projetos de vida dos povos indígenas” diz o Cimi em nota pública.

E prossegue:

“O veto integral tinha um sentido político e ético que não pode ser ignorado e que Lula deixou escapar. O projeto 2903/2023, que tramitou na Câmara dos Deputados com o número 490/2007, representou ao longo dos últimos 16 anos uma das maiores e mais truculentas ofensivas do poder Legislativo contra os direitos dos povos indígenas. Reuniu ao longo desses anos as piores teses anti-indígenas e se revestiu de diversos vícios de inconstitucionalidade e de uma narrativa colonial e preconceituosa”, disse o Cimi.

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Indígenas do Amazonas

O presidente da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), Marivelton Baré, disse que a entidade sempre defendeu o veto total do marco temporal e não parcial.

“É necessário seguir e garantir os direitos constitucionais e inclusive garantir a não violação de direitos através de outras propostas que ainda ficaram. Pois, as ameaças aos territórios e direitos indígenas continuam”.

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Recomendação

Embora, o Ministério dos Povos Indígenas tenha recomendado veto total, Lula não atendeu à solicitação da ministra Sônia Guajajara. Questionada, a ministra tangenciou.

“A instalação do marco temporal não só resolve a questão jurídica como ainda vai trazer outros conflitos porque o indígena também não vai querer abrir mão de um território tradicional e ele vai continuar lutando por ele”.

Para Guajajara, a situação acaba prejudicando territórios já demarcados desde 1988.

“Se não estiverem dentro de todos esses critérios, que eles estão apresentando e que é a comprovação da presença física no território em disputa, no dia 5 de outubro 88, então, ele pode ainda também rever processos”.

Foto: Ricardo Stuckert