O Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas recomendou ao prefeito de São Gabriel da Cachoeira (a 852 quilômetros de Manaus), Clóvis “Corubão” Saldanha (PT), uma série de medidas destinadas a regularizar a destinação de resíduos sólidos, hoje jogados em lixão a céu aberto no município.
Esses alertas incluem a suspensão imediata de depósito ou queima de resíduos no lixão da cidade, apresentação de plano para recuperar a área já degradada e elaboração de cronograma para conversão do local em aterro controlado.
Além disso, Corubão deve obter licenciamento de área para construção definitiva de aterro sanitário, sem interromper a coleta regular de lixo no município.
De acordo com o documento, além de descumprir diversos itens da legislação brasileira, o lixão vem causando, há anos, sérios transtornos e problemas de saúde à comunidade indígena Boa Esperança.
Pior que isso é o prefeito não tomar qualquer medida para resolver definitivamente as irregularidades.
A comunidade está localizada exatamente em frente ao lixão, em trecho da BR-307, e sofre com a precária condição da estrada e as contaminações decorrentes do lixão.
Leia mais
Prefeito recebe prazo
Além das medidas a serem implementadas imediatamente, como cercamento e vigilância permanente da área para impedir o acesso de pessoas não autorizadas e o recobrimento diário dos resíduos lá existentes, a recomendação do MPF estabeleceu prazos para a execução de outros compromissos por parte do prefeito.
Entre eles, a Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira terá 180 dias para transformar o atual lixão em aterro controlado, 120 dias para apresentar plano de execução do Programa de Inserção dos Catadores de Materiais Recicláveis que trabalham no local, e 180 dias para apresentar o plano de desativação definitiva do lixão.
Deve ainda Corubão mostrar também o requerimento e demais documentos necessários para o licenciamento prévio da área para a construção do aterro sanitário, nos moldes previstos em lei.
Lixo da saúde
Segundo a recomendação do MPF, o prefeito deverá ainda preparar, dentro de 60 dias, áreas específicas para depósito de resíduos de serviço de saúde, resíduos de construção e demolição e resíduos vegetais oriundos dos serviços municipais de poda, capinação e corte de árvores, com a devida apresentação de planta indicando esses locais ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam).
Como se trata de município com mais de 20 mil habitantes, o MPF cobrou ainda a apresentação do Plano de Gestão Integrada dos Resíduos Sólidos Urbanos, com os complementos e ajustes necessários.
Em até 15 dias, Corubão deverá informar ao MPF que medidas já tomou para solucionar os problemas apontados, anexando ainda proposta de cronograma para o atendimento total das medidas recomendadas.
Uma década de descaso
Em 2010 o MPF realizou inspeção in loco e expediu uma recomendação ao município de São Gabriel da Cachoeira, para que adotasse as medidas necessárias para a retirada do lixão localizado próximo à comunidade indígena Boa Esperança, situada na BR 307, onde residiam, naquela oportunidade, 86 pessoas de diferentes etnias. Já em 2013, após realizar outra visita ao município e constatar que as medidas adotadas eram insuficientes, o órgão expediu mais uma recomendação para que o município adotasse providências em relação à situação do lixão.
Sem resposta da gestão municipal acerca do acatamento da recomendação, o MPF pediu informações à Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), a qual respondeu, em 2014, que o lixo recolhido pela Prefeitura Municipal continuava sendo depositado no terreno em frente à comunidade, formando uma rua de lixo a céu aberto que acaba em um bolsão cheio de lixo.
Ainda em 2014, o Ipaam atestou que o município estava muito atrasado para o cumprimento do prazo estabelecido em lei para encerramento dos lixões e início de operação de aterros sanitários.
Por esse motivo, o instituto notificou a prefeitura para que apresentasse o Plano de Gestão Integrada dos Resíduos Sólidos Urbanos com os complementos e ajustes necessários, informasse os procedimentos adotados para solucionar os problemas causados pela gestão e destinação inadequadas dos resíduos sólidos e providenciasse o licenciamento ambiental do aterro sanitário.
Em resposta, o município limitou-se a informar que já tinham sido tomadas as medidas necessárias em relação ao lixão, bem como a mudança do mesmo para outra localidade.
No entanto, a resposta não correspondia à realidade pois, já em 2015, a Foirn noticiou ao MPF, dentre outros problemas vivenciados, que o lixão permanecia na mesma área próxima à comunidade Boa Esperança.
Nova inspeção, novos problemas
Em 2016, o MPF realizou outra visita ao lixão do município e à comunidade indígena, oportunidade em que foram constatados problemas quanto ao livre acesso aos resíduos e à contaminação de igarapés próximos, que são utilizados pela comunidade.
No mesmo ano, o município firmou termo de compromisso com o MPF, se comprometendo, dentre outras medidas, a “executar a Política Nacional de Resíduos Sólidos, com foco na inserção social e produtiva dos catadores de materiais recicláveis e nas propostas de logística reversa, visando, em especial, dar cumprimento ao prazo legal estabelecido para o fechamento dos lixões”.
Entretanto, o as medidas efetivamente adotadas para cumprir o acordo se limitaram a visita e expedição de ofícios, sem nenhum resultado prático.
Segundo o MPF, Corubão recebeu, em 2017, cópia do termo de compromisso, ficando ciente acerca das providências que deveria adotar. Em resposta, apenas informou que havia recebido do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) três áreas para possível implantação do aterro sanitário municipal e outras medidas puramente burocráticas dotadas, sem solução prática do problema.
No mesmo ano, equipe do Tribunal de Contas do Estado (TCE) também esteve no lixão do município e constatou que a situação era crítica, principalmente em relação aos resíduos sólidos dos serviços de saúde, e que “o município, apesar de ter feito o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, não executou nenhum programa ou projeto a fim de iniciar a gestão dos resíduos de forma responsável”.
Na mesma oportunidade, o órgão sugeriu que fosse determinado ao município a realização de medidas similares às contidas nesta recomendação expedida agora pelo MPF.
Consequências do descaso
De acordo com a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), os municípios devem providenciar a destinação final ambientalmente adequada dos rejeitos em até quatro anos a partir da promulgação da lei.
Apesar de o MPF, o Ipaam e o TCE terem adotado diversas providências visando obrigar a gestão municipal a adequar a situação à legislação, o município apenas realizou algumas tímidas iniciativas e, por isso, continua fazendo parte do grupo de cidades do Amazonas que mantêm irregularmente lixões a céu aberto.
Segundo o MPF, “a ausência de medidas mínimas sobre controle de acesso ao lixão tem inclusive prejudicado a própria educação escolar de crianças e jovens na comunidade Boa Esperança, tendo resultado no fechamento da escola quando recém-construída, sequer sendo utilizada”.
Ainda no documento, o órgão ressalta ainda que a adoção de medidas simples e de baixo custo, como implementação de sistemas de compostagem local com sensibilização da população, estímulo a hortas comunitárias, reciclagem e outros, além de gerar renda à população, colaboram com a redução significativa do lixo não aproveitado.
Fonte: MPF/AM
Leia mais
Foto: Reprodução