A maioria dos membros da bancada do Amazonas no Congresso Nacional vem recebendo recursos extraorçamentários fora das emendas individuais e coletivas previstas no orçamento da União.
Essa prática está sendo chamada pela imprensa nacional como “orçamento secreto ou paralelo ”, pois, as emendas previstas na lei orçamentária anual (LOA) não são impositivas, ou seja, o governo federal não é obrigado a liberá-las.
O pagamento das emendas extras e de relatoria ficam, portanto, a critério do Palácio do Planalto, que escolhe a dedo os deputados e senadores que devem recebê-las. E isso depende do apoio que o parlamentar dar aos projetos governamentais.
No orçamento de 2021, cada deputado e senador do Amazonas aprovou R$ 21,95 milhões em emenda de bancada/coletiva e R$ 16,7 milhões em emenda individual. O total, por parlamentar, ficou em R$ 38,65 milhões.
No entanto, quase toda a bancada amazonense recebeu verba extra orçamento para atender os municípios de suas bases eleitorais.
Destaque para o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), e o líder do MDB, no Senado, Eduardo Braga (AM).
Em sua prestação de contas, das ações do mandato em 2020, Ramos divulgou que, sozinho, conseguiu liberar R$ 187,99 milhões para o Amazonas, dos quais R$ 168 milhões somente para o combate à covid (coronavírus).
O valor representa quase cinco vezes o montante individual destinado a cada parlamentar.
Na descrição dos recursos, além das emendas individuais e de bancada, Marcelo Ramos cita a condição de “liderança”. No ano passado, o deputado era vice-líder do PL na Câmara.
Além disso, Ramos foi o presidente da Comissão Especial da Reforma da Previdência, um projeto do governo federal, aprovada em 2019.
O BNC tentou ouvir o vice-presidente da Câmara sobre a existência ou não de um orçamento secreto ou paralelo e se as emendas extras fazem parte desse processo de liberação de recursos por parte do governo federal. Marcelo Ramos não respondeu.
As extras de Eduardo Braga
Em janeiro deste ano, o senador Eduardo Braga divulgou em suas redes sociais a contratação de R$ 123,5 milhões, com a Caixa Econômica Federal, para obras no sistema viário de Autazes, Careiro, Itacoatiara, Itapiranga, Manaquiri, Novo Airão, Presidente Figueiredo, Rio Preto da Eva e aterro sanitário em Manacapuru.
Braga faz questão de dizer que esses foram recursos providenciados por ele junto ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).
É justamente nesse ministério onde estão alocados os maiores recursos das emendas extraorçamentárias.
Os R$ 123,5 milhões providenciados pelo senador são três vezes maiores que as emendas individuais e de bancada de cada parlamentar do Amazonas.
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Emendas de relatoria
Mesmo diante da liberação de emenda extra, os parlamentares amazonenses negam que esses recursos sejam secretos ou estejam em orçamento paralelo, já que a lei orçamentária é pública e passa pelo crivo do Congresso.
“Eu não acredito que haja essa história de orçamento secreto e que beneficiou relatoria de orçamento. Na minha relatoria setorial Justiça e Segurança Pública, por exemplo, eu destinei R$ 30 milhões para segurança no Amazonas e o presidente vetou. E, até onde sei, todas as emendas de relatoria setoriais foram vetadas e a gente tem que lidar com isso”, declarou o senador Plínio Valério (PSDB-AM).
No orçamento da União de 2021, o senador amazonense foi sub-relator da Segurança Pública.
As emendas apresentadas nessas relatorias não são impositivas e estariam no mesmo patamar das emendas extraorçamentárias: fica a critério do governo liberá-las.
Plínio Valério também é contra a instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) par apurar suposta irregularidade na liberação do chamado “orçamento secreto” comandado pelo governo Bolsonaro.
“Eu acho uma tremenda bobagem essa história de CPI para investigar esse tipo de coisa. Só desmoraliza o instituto da CPI”, completou o senador tucano.
Apenas indicação
Na reportagem do Estadão, que denunciou o “orçamento secreto” de R$ 3 bilhões, que o governo Bolsonaro utiliza para manter sua base no Congresso, o nome do deputado Bosco Saraiva (SD-AM) é citado.
O parlamentar amazonense teria direcionado, com outro colega deputado, R$ 4 milhões para o município de Padre Bernardo (GO).
A destinação dos recursos seria para comprar máquinas agrícolas.
Bosco Saraiva atendeu a um pedido do líder do Solidariedade, deputado Lucas Vergueiro (GO).
“Foi apenas uma indicação a pedido de um colega de partido. Mas, esse pedido não evoluiu (o recurso não chegou a ser liberado). Ficou somente na indicação”, justificou o deputado amazonense.
Compra aberta
Único parlamentar do Amazonas que não recebeu recurso fora do orçamento da União nem teve emenda de relatoria aprovada, o deputado José Ricardo (PT-AM) confirmou que só teve direito àquilo que é constitucional: até 25 emendas individuais, no valor de R$ 16,7 milhões; e uma emenda de bancada de quase R$ 22 milhões.
“Mas, o governo, para poder ter o apoio no Congresso, vem distribuindo emendas extraorçamentárias. Um exemplo é o caso da reforma da previdência que cada parlamentar teria recebido R$ 40 milhões para votar a favor. Isso significa que o governo está comprando em mercado aberto o apoio dos parlamentares. E o Congresso Nacional fica cada vez mais submisso ao Planalto e contra os interesses do país”, declarou José Ricardo.
Apoio aos municípios
Tendo com uma das ferramentas de trabalho buscar recursos, via emendas, para o município, o secretário de Representação Municipal de Coari, Ildefonso Galindo Jr, discorda que as emendas extras ou de relatoria sejam secretas ou irregulares.
Segundo ele, não fossem as emendas parlamentares e boa vontade política dos deputados e senadores os municípios amazonenses estariam à mingua, visto que as transferências voluntárias do governo deixaram de existir há cinco anos.
“É por meio das emendas parlamentares que os nossos municípios conseguem recursos de investimentos para programas de habitação, saneamento básico, mobilidade urbana antes existentes dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC ). Sem essas verbas, só existiriam as transferências obrigatórias que mal conseguem cobrir as despesas de custeio”, explica o representante de Coari.
Ildefonso Galindo discorda de “orçamento secreto” Foto: divulgação
Ação da bancada do Amazonas
Outra posição contrária, emitida por Galindo Jr é com relação à história do “orçamento secreto”. Para ele, que também é graduado em Ciência Política, o termo não cabe porque constitucionalmente orçamento é público e todos os recursos nele existente precisam ser publicizados.
O secretário de Representação Municipal saiu em defesa da bancada do Amazonas no Congresso.
“Os nossos deputados e senadores têm nos ajudado, com envio de emendas individuais, de bancada, de relatoria e de emendas extras aos nossos municípios. Sem esse apoio, os prefeitos do Amazonas não teriam condições de tocar os projetos, ações e obras para ajudar a população que tanta necessita”.
Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados