O juiz titular da 3ª Vara Cível da Justiça Federal no Amazonas, Ricardo Sales, proibiu a Caixa Econômica Federal de se apropriar de receitas do Estado depositadas na instituição em curso de ações judiciais.
Caso não cumpra a medida, a Caixa e o seu superintendente regional terão que pagar multa diária de R$ 1 milhão, num limite de até R$ 100 milhões.
De acordo com o entendimento de Ricardo Sales, em apenas um ano, em 2017, a apropriação indevida chegou a R$ 8,4 milhões.
O desconto foi contestado no ano passado e a sentença, em primeira instância, saiu na quinta-feira passada, dia 31 de janeiro.
A decisão também alcança a Corte do Poder Judiciário do Amazonas, que editou uma regra própria que a Caixa Econômica regional subtraísse os valores que deveriam ir para os cofres do governo do Amazonas.
A origem da disputa judicial está na Lei Complementar Federal Nº. 151, de 2015, que permitiu que estados e municípios levantassem o dinheiro depositado em banco em razão de ações judiciais, diante da grave dificuldade financeira enfrentada pelos governos estaduais e municipais naquele ano.
A lei determinou que todo o dinheiro de depósito judicial deveria ser consignado em um banco público e estabeleceu, ainda, que houvesse a transferência, da quantia correspondente a 70% dos depósitos judiciais, dos processos judiciais e administrativos dos quais os estados façam parte, para Conta Única do Tesouro Estadual, sendo que os outros 30% deveriam formar um fundo de contingência a ser administrado pelo Banco Público.
No caso do Amazonas, a Caixa Econômica Federal passou a exigir condicionantes não previstas em lei, segundo o magistrado, para transferir à conta única do Estado os 70% dos valores depositados em razão de ações judiciais ou de recursos administrativos.
Dentre as condições impostas pela Caixa, estava a de que o Amazonas deveria remunerar, com um percentual dos valores depositados, a esse serviço de transferência e de gestão do fundo de contingência, alegando que a Portaria 2191/2015-PTJ, publicada pela então presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), havia autorizado essa cobrança.
O governo contestou a regra. Entendia não haver obrigação de pagar as quantias exigidas pela Caixa. Considerava que a instituição financeira estava criando embaraços para transferir à conta Única do Tesouro os recursos que pertenciam ao Estado e que totalizavam R$ 624,6 milhões – desde a edição da Lei Complementar 151/2015.
De acordo com o processo, em nota técnica da Procuradoria-Geral do Estado, ficou demonstrado que apenas no ano de 2017, a Caixa Econômica Federal recebeu o valor de R$ 8.479.148,41 para realizar serviços que, de acordo com a lei, deveriam ser prestados sem qualquer condição ou contraprestação.
Foi consignado pelo juiz que a obrigação do Estado do Amazonas de realizar depósitos de valores na Caixa Econômica decorre da Lei Complementar 151/2015 – sendo uma obrigação ex lege e não contratual – não sendo devido pelo Amazonas nenhum pagamento em favor da Caixa, conforme está estabelecido no art. 6º da norma. Esse dispositivo, argumentou o magistrado, diz que “ são vedadas quaisquer exigências por parte do órgão jurisdicional ou da instituição financeira além daquelas estabelecidas nesta Lei Complementar”.
O magistrado pontuou também que “a norma legal estabeleceu detalhadamente as condições que este Ente federado se habilitasse ao recebimento das transferências, formas de correção de valores, restrições à utilização dos recursos, prazo de reposição do fundo de reserva e de transferência dos recursos, além das obrigações e condições da instituição financeira, determinando-se, ainda, de forma clara, em seu artigo 6º, a expressa vedação de qualquer exigência por parte da instituição financeira Requerida com vistas a transferir os valores para a conta única do Estado”, razão pela qual, ao criar óbices à transferência dos valores depositados nos quais o Estado do Amazonas é parte interessada pratica a Caixa Econômica um ato sem amparo legal.
Ricardo Sales decidiu, também, que a presidência do TJ-AM, ao editar uma portaria autorizando a cobrança de valores por parte da Caixa Econômica, agiu flagrantemente em ofensa à Constituição, violando o princípio da legalidade estrita que norteia a Administração Pública.
Ele entendeu que o Judiciário do Amazonas criou direito em favor da Caixa sem a prévia manifestação do Poder Legislativo.
Ao fim, a ação proposta pelo Estado do Amazonas foi julgada procedente, determinando que a Caixa Econômica Federal cumpra a Lei Complementar nº 151/2015, transferindo a quantia correspondente a 70% dos depósitos realizados nos processos judiciais e administrativos dos quais o Estado do Amazonas faça parte para Conta Única, sem quais condicionantes, sob pena de incorrer em multa diária de R$ 1 milhão, a ser paga pessoalmente pelo superintendente da Caixa Econômica Federal e pela Caixa Econômica, até o limite de R$ 100 milhões.
Foto: José Cruz / Agência Brasil