Respeitada no exterior pela defesa do desenvolvimento sustentável, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, enfrenta desafios internos consideráveis. Até o momento, a influência da auxiliar de Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso tem sido mínima, incapaz de garantir a aprovação de suas pautas ou de deter projetos contrários à agenda ambiental.
Ao acumular derrotas, Marina também não teve condições de barrar a aprovação de textos contrários à agenda ambiental. Enfrentando cenário adverso, a ministra tem sido atropelada pela bancada ruralista, hoje com 324 congressistas.
O protagonismo da frente parlamentar é evidente na redação de projetos relacionados ao meio ambiente. Na maioria dos casos, os ajustes feitos pelos integrantes desse bloco buscam a flexibilização de medidas de proteção para facilitar a exploração de atividades econômicas.
Projetos que abrem margem para o desmatamento, por exemplo, têm avançado no começo do ano. A Câmara aprovou texto que permite a exploração econômica em terras altas da Mata Atlântica e em outros biomas.
Outra proposta analisada facilita asfaltar uma rodovia amazônica. As duas iniciativas estão no Senado, que também debate, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), um projeto que reduz as áreas de preservação na Amazônia.
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Enquanto isso, Marina se esforça para aprovar um projeto que regulamenta o manejo de fogo, mas o texto ainda caminha a passos lentos. A proposta chegou a ser enviada para o plenário do Senado, mas, por falta de acordo, precisou retornar para a Comissão de Agricultura da Casa.
A ministra também já criticou a Câmara por não incluir o agronegócio no texto do mercado de carbono. A iniciativa ainda precisa passar por votação pelos senadores.
Mesmo com as dificuldades, Marina tem feito pouco para se aproximar do Congresso: foram menos de dez reuniões com parlamentares neste ano, de acordo com sua agenda oficial. Há pouco diálogo com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com quem falou poucas vezes, apenas ao telefone desde o início do governo Lula 3.
O deputado Lucas Redecker (PSDB-RS), que foi relator do projeto que flexibiliza a proteção ambiental na Mata Atlântica e outros biomas, disse que Marina e seus auxiliares estiveram ausentes durante todo o processo de construção do relatório na Câmara.
“Ela não falou e ninguém do ministério. Também sem contato com ninguém do governo”, disse o tucano. Da mesma forma, o deputado Alceu Moreira (MDB-MS), que já comandou a bancada ruralista e é autor do projeto relatado por Redecker, também disse que não houve diálogo.
O presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, afirmou que a ação da bancada ruralista sempre é forte porque o governo aumentou a fiscalização ambiental em relação à gestão federal passada.
O setor ambiental sempre sofreu com essas tentativas de mudança legislativa. Toda vez que o comando e controle, leia-se fiscalização, aumenta, surgem novas propostas para flexibilizar ou até anistiar, como foi na última mudança no código florestal.
Esperamos que o bom senso prevaleça e a legislação ambiental possa ser fortalecida e até aprimorada – declarou ao GLOBO. Já o secretário de Controle dos Desmatamentos do Ministério do Meio Ambiente, André Lima, afirmou que a pasta está buscando parlamentares para conversar sobre projetos, como o do manejo do fogo:
“A gente ainda não conversou pessoalmente com o relator (Zequinha Marinho) porque está ocupado buscando esse alinhamento direto com os proponentes das emendas para ver se consegue chegar no prazo de um mês e meio em um alinhamento, e aí, sim, conversar com o relator e chegar em uma proposta de consenso. A ministra (Marina) conversou com alguns senadores, como a senadora Leila, presidente da Comissão de Meio Ambiente, pedindo apoio e prioridade para esse projeto”.
Reclamações até na base
Por outro lado, até integrantes da base governista na Câmara se queixam da falta de diálogo. Em conversas reservadas, parlamentares dizem que ter Marina no comando da pasta é ótimo “para fora”, já que ela é referência internacional na área, mas “para dentro”, na negociação com o Congresso, é necessário ter alguém com maior habilidade política de negociação com os parlamentares.
Já o deputado Bacelar (PV-BA), que é um dos vice-líderes do governo na Câmara, classifica os projetos que flexibilizam o desmatamento como iniciativas de extrema-direita.
Ele não vê espaço para diálogo entre os parlamentares ruralistas e o Ministério do Meio Ambiente. “Eles (parlamentares ruralistas) não conseguem, por problemas ideológicos, manter um diálogo com o produtivo, com o Ministério do Meio Ambiente”, declarou.
O deputado Tulio Gadelha (Rede-PE), do partido de Marina, também reconhece o cenário adverso. “O Ministério do Meio Ambiente tem dialogado bastante conosco da frente parlamentar ambientalista e alertado sobre alguns riscos, mas, de fato, eles não podem interferir no Legislativo. Temos atuado para frear o avanço desses textos que atacam o meio ambiente, mas temos um quadro reduzido diante da bancada ruralista”, disse.
Durante o ano passado, senadores do Norte chegaram a pressionar para que Marina saísse do cargo, no auge da crise com a exploração da Foz do Amazonas.
De um lado, o governo não atendeu à demanda pela retirada da ministra do cargo, mas, por outro, sinaliza que a iniciativa terá aval para prosseguir.
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Foto: Ricardo Stuckert/PR