A considerar que o governo pretende usar relatório do Exército para mostrar que Bolsonaro só perdeu as eleições para Lula porque houve irregularidades ou inconsistências no pleito, há de se esperar que o Amazonas também componha os fundamentos desse choro.
É que, entre os argumentos bolsonaristas, está o fato de Bolsonaro ter recebido zero voto em 143 urnas, em todo país. Levantamento da Folha de S.Paulo, publicado hoje, em reportagem assinada pelos jornalistas Cleiton Otavio e Renata Galf , mostra que, do universo de R$ 2,1 milhões de eleitores, esses votos representam 0,03%. Ou seja: sem potencial para alterar qualquer placar, ante ao resultado.
Pois o Amazonas entra nessa história, porque das 143 urnas que só deram voto a Lula, 23 ficam no Estado.
Mas, nesse caso, a opinião desses brasileiros não pode ser interpretada com mostra de fraude, irregularidade ou inconsistência. Ainda mais quando essa interpretação tiver a intenção de manter o clima antidemocrático nas urnas.
Não. ao contrário disso, a voz desses brasileiros amazonenses deve ser entendida como prova de regularidade.
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Comparação Bolsonaro X Lula
Para começar, essas urnas com zero voto em Bolsonaro e todos em Lula, trouxeram a síntese de uma comparação feita por esses eleitores.
Para situar, esse placar eleitoral foi encontrado apenas dois municípios do Amazonas: São Gabriel da Cachoeira e Atalaia do Norte.
Neles, vivem as maiores populações indígenas do Amazonas, da Amazônia. Assim, de lá, saíram manifestações que sopesaram os governo de Lula e Bolsonaro.
É evidente que esses povos mostraram terem aprovado a política de proteção e respeito de Lula às populações indígenas.
Devem ter levado em conta ainda em conta a promessa do petista de criar um Ministério dos Povos Originários. Essa lógica funciona em momentos de lucidez coletiva. Vota-se naquilo, ou naquele, que lhe convém. Isso, porém, não se pode falar da capital, que votou, majoritariamente, num candidato que tentou, por quatro anos, matar sua galinha dos ovos de ouro: a Zona Franca de Manaus.
Ou seja: os moradores de São Gabriel da Cachoeira e de Atalaia do Norte disseram não à política do atual do governo de permitir invasão garimpeira, invasão do agronegócio, do tráfico de drogas sobre seus territórios. Disseram não ao esquecimento.
Também foi o não ao desmonte do Ibama, do ICMBio e da Funai. Os votos desses brasileiros vindos do interior da floresta amazônica foram também um não à perpetuação da violência e da barbárie, que este ano teve uma ponta revelada com os assassinatos de Dom Phillips e Bruno Araújo. Só para lembrar foram crimes ocorridos no Vale do Javari, Atalaia do Norte.
Bolsonaro não fez nenhuma gesto para os povos indígenas. Não houve nenhuma fala dele nesse sentido. Assim sendo, o presidente não poderia esperar mais do que o desprezo merecido.
Os povos da floresta talvez nem tenham votado por esses valores. Talvez, eles tenham votado pelo mais elementar direito de existir.
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil