O PL (Projeto de Lei Complementar do Código Eleitoral nº 112/21), em tramitação na Câmara dos Deputados, abre precedente para a impunidade por prática de caixa 2. É o que afirmam consultores políticos sobre o relatório da deputada Margarete Coelho (Progressistas-PI).
Um dos trechos do parecer da relatora prevê que a Justiça poderá deixar de aplicar a pena se a omissão ou irregularidade na prestação de contas for de pequeno valor.
Os deputado deve votar na quinta-feira (2) o projeto que cria o Código de Processo Eleitoral.
O texto traz diversas normas que podem entrar em vigor já para as eleições de 2022.
A relatora Margarete Coelho incluiu no PL um dispositivo que prevê a tipificação do crime de caixa 2 em campanhas eleitorais – o que hoje não existe. Mas, segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o texto, da forma como foi construído, abre brecha para a impunidade nesse caso, por exemplo.
Atualmente, não existe na legislação brasileira a tipificação de caixa 2. Ainda assim, a Justiça Eleitoral costuma enquadrar esses casos como crime de falsidade ideológica, que tem pena que varia de dois a cinco anos de prisão e pagamento de multa.
A falsidade ideológica é caracterizada porque o candidato deixa de prestar contas adequadamente, fraudando a documentação apresentada à Justiça Eleitoral.
Exemplo na Lava Jato
Durante a Lava Jato, o caixa 2 também passou a ser enquadrado, em algumas situações, como corrupção passiva (no caso do candidato que recebeu o valor em troca de alguma ação futura) e corrupção ativa (a empresa ou pessoa que financiou o candidato ilegalmente para obter benefícios públicos).
A pena da corrupção ativa e passiva varia de dois a 12 anos de prisão, além de multa.
De acordo com o último parecer do Código de Processo Eleitoral apresentado pela relatora, fica tipificado o crime de caixa 2.
O crime tipificado
O texto define o crime como “doar, receber, ter em depósito ou utilizar, de qualquer modo, nas campanhas eleitorais ou para fins de campanha eleitoral, recursos financeiros fora das hipóteses da legislação eleitoral”.
A pena prevista vai de dois a cinco anos de prisão e multa – a mesma punição prevista para o caso de falsidade ideológica, mas menor do que no caso de corrupção.
Além disso, o projeto prevê que possa ser firmado pelo candidato que praticou caixa 2 um acordo de persecução penal. Ou seja, ele pode negociar com o Ministério Público que não seja processado pelo crime, em troca de alguma reparação.
Caso o projeto seja aprovado sem alterações nos plenários da Câmara e do Senado e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro até o começo de outubro deste ano, a mudança já entrará em vigor para 2022 – mudanças legais nas regras eleitorais têm de ser aprovadas pelo menos um ano antes das eleições, por determinação da lei.
Ótica dos analistas
A reportagem ouviu especialistas para analisar a tipificação do crime de caixa 2 eleitoral que consta do projeto do Código de Processo Eleitoral.
Eles dizem que seria positivo definir exatamente o que constitui o crime. Mas também afirmam que o texto em discussão na Câmara abre brecha para a impunidade.
E isso ocorre, dentre outros motivos, porque o projeto afrouxa uma série de outros mecanismos de fiscalização de candidatos e partidos.
Advogada e cofundadora do Instituto Não Aceito Corrupção, Mônica Rosenberg afirma que, apesar da tipificação do caixa 2 ser positiva, o texto vai dificultar a punição do crime.
“A verdade é que esse crime já vinha sendo punido e a legislação era suficiente. No entanto, é melhor quando é tipificado. Mas o que falta é certeza de punição”, diz ela.
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Lucas Fernandes, consultor político da BMJ Consultores Associados, também acredita que a proposta é ruim por enfraquecer a Justiça Eleitoral.
“A gente está discutindo um Código muito problemático. Vamos ver os deputados defendendo a aprovação como se ele fosse bom. Mas na verdade não é. Esse pacote vai favorecer a impunidade. Apesar de tipificar o crime de caixa dois, eles estão reduzindo os mecanismos de fiscalização da Justiça Eleitoral”, diz Fernandes.
O movimento Freio na Reforma, constituído por uma série de entidades da sociedade civil, também vê problemas no acordo de não persecução penal. Esse dispositivo do projeto foi classificado como um dos retrocessos da proposta do novo Código Eleitoral.
A advogada Monica Rosenberg também vê problemas: “Facilitaram o acordo [de não persecução penal no caso de caixa 2]. O infrator vai fazer um acordo e não vai ser punido”.
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Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados