A forma “criativa, inteligente e um passo à frente” do relatório da reforma tributária, como classificou o seu autor, o senador Eduardo Braga (MDB-AM), não agradou gregos e troianos.
A maioria das entidades industriais do Amazonas, como o Cieam, consultores e especialistas em Zona Franca de Manaus (ZFM), reagiu positivamente ao trabalho de Braga.
Outros, no entanto, fizeram ponderações, críticas e até chamaram de “solução arriscadíssima” algumas das saídas encontradas pelo senador. É o caso do advogado e ex-deputado federal Marcelo Ramos.
Em sua análise, ele manifesta enorme preocupação com o processo político-parlamentar para aprovar as novas regras criadas por Braga.
O texto apresentado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), do Senado, na última quarta-feira (25), no tocante à ZFM, trouxe a Cide (contribuição de intervenção sobre domínio econômico) em vez do imposto seletivo (IS).
Além disso, instituiu o Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas. No entanto, levou a aprovação de quase todas as novas regras tributárias por meio de lei complementar.
No caso da ZFM, altera enormemente o regramento porque hoje tudo o que diz respeito ao modelo industrial do Amazonas é resolvido diretamente na Constituição federal.
No entanto, a avaliação de Braga é que seu texto trouxe, sim, soluções para assegurar a competitividade do modelo ZFM até 2073.
“O mais importante é que a zona franca está mantida. O modelo foi praticamente refundado conceitualmente no relatório. De forma compartilhada, aprimoramos o que veio da Câmara. Assim como criamos a possibilidade de se estabelecer uma Cide para manter as vantagens comparativas da ZFM”, disse o relator.
Reação positiva
Para o Centro das Indústrias do Estado do Amazonas (Cieam), em análise preliminar, o relatório atendeu as expectativas. A entidade destaca que foi mantido o diferencial no IBS e CBS, os novos impostos sobre consumo.
“A diferença entre o texto da Câmara e o atual é que foi entendido que a Cide seria mais adequada no texto apresentado nesta quarta-feira (25). Já o IPI (imposto sobre produtos industrializados), a partir de 2027, fica reduzido e a partir de 2033 passa a transição definitiva”, disse o Cieam por meio da assessoria de imprensa.
Isso quer dizer que as indústrias estão de acordo com o relatório do senador Eduardo Braga, mas afirmam que vão continuar trabalhando para garantir a competitividade na ZFM.
Consistências
No mesmo tom de positividade, o tributarista, consultor de empresas e especialista em ZFM, Thomaz Nogueira, disse que o relator produziu um texto consistente.
Segundo ele, as mudanças são fundamentadas, mas, todavia, passam por escolhas políticas.
Não há nada do ponto de vista técnico menos consistente. Agora resta saber se a casa [Senado] vai acatar essas mudanças. No meu entendimento, as mudanças propostas pelo senador melhoraram o texto , afirmou Nogueira.
Em relação à Zona Franca de Manaus, o ex-superintendente da Suframa diz não ter a menor dúvida dessas melhorias. Isso porque a escolha do imposto seletivo era para ser utilizada em último caso, mas acabou numa redação um tanto infeliz, na Câmara, sendo colocada como a alternativa primeira.
É preciso dizer que isso também não considerava a realidade da produção no resto do país. Eu creio que a cide é muito mais apropriada para fazer essa intervenção cirúrgica de complementação àquilo que não puder ser dado, digamos, no diferencial competitivo dentro do IBS e da CBS ”, disse Nogueira.
Guerra x batalha
Do mesmo modo, o economista, advogado e administrador Farid Mendonça Júnior, diz que o texto apresentado está de acordo com o que foi negociado com a bancada no Congresso e os governos estadual e federal.
Ele também avalia que foi uma solução muito melhor trocar o imposto seletivo pela cide. Isso porque se ficasse o IS, o risco de judicialização era bem grande.
“Ganhamos a guerra? Não. Vencemos mais uma batalha. Depois que for aprovada a PEC, começa outra batalha, que é a lei complementar. Lá serão definidos todos os detalhes”, afirmou Farid Júnior.
Críticas e preocupações
Por outro lado, a crítica mais contundente ao relatório de Eduardo Braga vem do advogado e ex-deputado federal do Amazonas Marcelo Ramos.
Segundo ele, a mudança de imposto seletivo para cide muda muito pouco as suas preocupações.
Nós continuamos dependentes da aprovação de uma lei complementar, que precisa dos votos dos deputados e senadores dos outros estados para criar um tributo, agora uma contribuição (cide) para os estados deles. Isto, para beneficiar o nosso. Então, o que nós precisaremos a partir da aprovação da reforma? Que todos os deputados dos outros 26 estados votem uma lei que criará um imposto para os estados deles a fim de proteger o nosso. Isso não me parece um movimento fácil , disse Ramos.
Lei complementar
Dessa forma, o ex-vice-presidente da Câmara dos Deputados ressaltou que sua maior preocupação é mesmo jogar as novas regras para aprovação por lei complementar. Já que hoje toda a proteção à ZFM está na Constituição.
Assim sendo, Marcelo Ramos lembra que até esse momento, o Amazonas não precisa de nenhuma lei, salvo o decreto 288, para ganhar todas as ações no Supremo Tribunal Federal (STF), quando se trata das vantagens comparativas da ZFM.
Contudo, de agora em diante, nós vamos depender de uma lei complementar, que nós não sabemos se pode ser aprovada e que pode ser alterada por 257 votos a qualquer momento, mesmo que aprovada seja. Então, não dá para negar que a situação da Zona Franca, pós-reforma, será mais sensível, mais sujeita a risco do que é atualmente”.
Soluções “arriscadíssimas”
No entanto, Ramos reconhece que não havia outras alternativas. Ele cita, por exemplo, o senador Omar Aziz (PSD-AM) chegou a dar uma declaração de que não aceitaria nada que dependesse de lei complementar, visto que a solução plena da ZFM tinha que estar na Constituição.
Mas não era um movimento simples porque isso exigiria uma mudança na estrutura da reforma. Então, acho que houve todos os esforços na nossa bancada e essa era a melhor solução possível. Mas é uma solução, na minha opinião, arriscadíssima , pontuou o ex-deputado federal.
Cide x imposto seletivo
Por fim, Marcelo Ramos sugere que as mudanças feitas por Braga talvez até tenham motivado o governo preferir a cide ao imposto seletivo. Ele explica que o imposto, em especial o imposto seletivo, 65% de tudo que é arrecadado vai para os fundos tanto dos estados (FPE) quanto dos municípios (FPM). Com isso, a União só fica com um pedaço ou 35% do imposto arrecadado. Já a contribuição, nesse caso a cide, a União fica com tudo, não divide nada com os demais entes da federação.
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ENTREVISTA | Saleh Hamdeh , consultor
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
BNC Amazonas – O relatório do senador Eduardo Braga atendeu as expectativas da indústria?
Saleh Hamdeh : Do ponto de vista de texto constitucional, sim.
BNC Amazonas – A troca do imposto seletivo pela Cide vai mesmo melhorar a competitividade?
Saleh Hamdeh : O imposto seletivo (IS), conceitualmente, é aplicado a produtos de externalidade negativa, ou seja, para inibir consumo. Portanto, a incidência do IS aos produtos da ZFM poderia causar alguma insegurança [jurídica], tendo em vista o conflito conceitual.
Já a Cide parece um instrumento mais adequado ao caso, ressaltando que, tanto o IS quanto a Cide, têm por objetivo compensar as vantagens comparativas com a extinção do IPI, exatamente na sua proporção atual, mantendo, portanto, a neutralidade.
BNC Amazonas – E o fato de quase todas as novas regras tributárias ter que ser aprovadas por lei complementar e não mais direto na constituição? Não é um dificultador à ZFM?
Saleh Hamdeh : Todos os elementos e instrumentos necessários para a manutenção da competitividade estão presentes no texto constitucional, cabendo à legislação complementar e ordinária regulamentar e calibrar de maneira a manter as vantagens comparativas da ZFM.
Lembrando que o texto constitucional atual, estabelecido no art.40 do ADCT, é bem mais resumido e todo regramento está amparado no decreto-lei 288/1967, que tem natureza de lei ordinária.
Foto: Suframa/reprodução