Desci do ônibus tentando memorizar: “Efésios Capítulo 5, versículos de 21 a 24”. Repeti as palavras e os números da Cachoeirinha à Cidade Nova. Atravessei da Zona Sul para Zona Norte em sessenta intermináveis minutos, pensando na referência bíblica. Desembarquei e quando percebi que não havia ninguém me olhando gritei: “Efésios Capítulo 5, versículos de 21 a 24”.
Vibrei! Já havia decorado. Corri para casa. Restava saber se ali eu poderia encontrar um exemplar do Livro Sagrado. Revirei minha biblioteca de meia dúzia de livros, coleção “Os Pensadores”, apostilas, cópias de textos… E nada! Apelei à minha sogra. Ela também não tinha. Faltava apenas minha mulher, mas só chegaria três horas depois. Então, continuei: “Efésios Capítulo 5, versículos de 21 a 24”.
Minha esposa chegou e a recebi com a pergunta: “Você tem uma Bíblia?”. Ela olhou desconfiada, abriu um sorriso, depois baixou os óculos com a ponta do dedo indicador direito, olhou por cima das lentes, revirou suas coisas num armário velho e disse: “está aqui”.
Não perdi tempo. Abri o livro e saí página por página procurando “Efésios”, desde o começo. Passei por Gênesis, Êxodo, Levítico, Salmos, Mateus, Marcos e nada de Efésios.
Aliás, nessa busca achei a sabedoria de Davi. No livro dos Reis, logo no começo, trata da velhice de Davi. O texto inicia-se assim: “Ora o rei Davi tinha envelhecido, e achava-se em idade muita avançada, e por mais que o cobrissem de roupa, não aquecia. Disseram-lhe, pois, os seus criados: busquemos para o rei nosso uma jovem virgem, que esteja diante do rei, durma ao seu lado e preserve do grande frio”.
Mais à frente, o “Cântico dos Cânticos” apresentava-me poesias apaixonadas, que beiram o erotismo. Há um trecho que diz: “Sua boca me cubra de beijos! São mais suaves que o vinho tuas carícias, e mais aromáticos que teus perfumes é teu nome, mais que perfume derramado; por isso as jovens de ti se enamoram. Leva-me contigo! Corramos! O rei introduziu-me em seus aposentos”.
Prestes a desistir da busca, encontrei, perto de Apocalipse, Efésios (5: 21-24). Estava ali: “As mulheres são instruídas a se submeterem aos seus maridos em tudo, como também se sujeitam ao Senhor. Deus tem dado ao homem o papel de ‘cabeça’ da mulher, da mesma maneira que ele deu para Cristo o papel de ‘cabeça’ da igreja. Do mesmo modo que a igreja de Deus se submete à autoridade de Jesus em todas as coisas, a mulher deve se sujeitar à autoridade do marido”.
O quebra-cabeça estava montado. Tudo fazia sentido. Procurei “Efésios” para tentar entender o que duas passageiras conversavam ao meu lado. Foi no 423 (Amazonino Mendes/T3-T2). Elas embarcaram na primeira parada depois do Terminal da Cachoeirinha. Entraram conversando. Eram duas jovens senhoras de alianças nos dedos: uma loura e a outra, morena. Suponho que a loura deveria ter pouco mais de 25 anos, e a morena na faixa dos 20.
A mais velha falava mais e mais alto que a outra. Era uma voz aguda e nasalizada, quase fanhosa. Sempre que se dirigia à morena, advertia: “Olha, mana!”. A amiga apresentava um olhar murcho que misturava tristeza e preocupação.
Percebi que estava preocupada quando ela disse à amiga:
– Não tem jeito, não!
A confidente responde:
– Olha, mana, você tem que tentar.
– Vai ser pior. Não vai dar!, retruca a morena.
A conselheira, porém, chama atenção para o tempo do casamento:
– Vocês se casaram este ano!
– Eu sei, mas é que eu não agüento. Ele está querendo coisas que não concordo.
A loura mal deixa a amiga falar e lhe diz:
Olha, mana, eu prendo o meu marido de todo jeito. Faço de frente, faço de costa, faço de lado e até de cabeça para baixo, se ele pedir. Está escrito na Bíblia. Pode procurar em Efésios Capítulo 5, versículos de 21 a 24.