Neuton Corrêa*
Paulo Faria nasceu para o espetáculo. Iniciou na rádio Alvorada de Parintins ainda adolescente. Foi apresentador de programas de auditório, no antigo Teatro da Paz, e apresentou o boi bumbá Garantido por mais de um quarto de século: 26 anos. Pode-se dizer que é o criador da ópera folclórica narrada.
Garoto, eu conhecia o Paulinho apenas pela voz do rádio e pela fúria que despertava nos vizinhos torcedores do Caprichoso, que haviam se mudado para perto de casa, trocando o território azul pelo vermelho, mas não deixando a paixão pelo bumbá do coração.
A ira dos meus vizinhos explicava-se pela genialidade do Paulo. “Aquele grilo falante”, para usar uma das frases da vizinhança, dominava o espetáculo amazônico. Passava três horas apresentando os itens e mexendo com a galera, para agitar “a oitiva maravilha do mundo”, como ele definia o Garantido.
Não tinha quem segurasse aquele rapaz franzino ao entrar na arena. Ao ser chamado, corria para o centro da arena, cumprimentava autoridades, visitantes e depois chamava o momento que ninguém queria perder: a contagem, do longo “Ummmmmmmm, dooooois, trêêêês e quando o tambor de marcação irrompia o instante de silêncio para começa a festa. Coisa de arrepiar até hoje.
Mas tudo isso era previsível. A principal marca do Paulo Faria, porém, era o improviso, como o que ocorreu no festival de 1994. Paulinho anunciara a alegoria do Gavião Real. O gigante pássaro entrou batendo as asas no ápice do espetáculo trazendo o pajé, a cunha-poranga e tudo mais.
O apresentador se empolga, defende o quesito alegoria, mas foi nesse instante que o gavião, no centro do Bumbódromo, quebrou a asa esquerda. A galera contrária se agitava em gargalhada, enquanto do outro lado o desapontamento abatia o vermelho.
Paulinho, porém, não perdeu o tom e dirigiu fala aos jurados dizendo: “Observem, senhores jurados, perversos caçadores atingiram gavião real. É o lamento do nosso povo da Amazônia. Lindo! Lindo! Lindo! Lindo, galera vermelha e branca!”
*Editor da coluna Sim&Não do jornal A CRÍTICA, filósofo, mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia pela Ufam.