Wilson Nogueira*
A polpa do tucumã é principal recheio da grife da culinária amazonense que, aos poucos, vai conquistando outras praças do país: o X-caboquinho, sanduiche que também agrega banana frita, queijo, para fazer jus ao X (cheese), e manteiga.
A invenção tem origem no popular pão com tucumã, consumido com farinha, café puro ou com leite de vaca.
Até ganhar fama, o tucumã era mais presente na dieta das famílias da área rural; era colhido no pé do tucumanzeiro.
Essa palmeira pode atingir até quinze metros de altura e possui espinhos resistentes e agudos desde o tronco até os cachos.
Ela está espalhada pelos estados do Amazonas, Acre, Pará, Rondônia e Mato Grosso, sempre nas terras firmes.
Mas é a partir do Amazonas, mais precisamente das cidades interioranas, que o tucumã começa a se inserir na onda dos novos sabores da Amazônia, ao lado do açaí, da acerola e do cupuaçu.
Faz-se da polpa de tucumã uma enfiada de alimentos, entre os quais, comportas, musses, cremes, manteigas, sorvete e pizza.
Mas o melhor de todos, a meu ver, é o tucumã com farinha d`água e café puro, indispensável no desjejum dos seus apreciadores mais tradicionais.
E o melhor tucumã é o colhido no pé da palmeira, o madurinho.
Vale quaisquer esforços para se obter essa iguaria.
Quando adolescente, eu saia de casa cedo da madrugada e amanhecia no pé do tucumanzeiro, nas então matas do Campo Grande, em Parintins (AM).
Quando a coleta era grande, colocava uma carga num saco de açúcar e ia vendê-la aos bacanas da cidade.
Olha o tucumã!
Bom, bonito, barato e gostoso!
Olha o tucumã!
Tucumã! Tucumã!! Tucumã!!!
Come o rico, o arremediado e o povo!
Quem vende o tucumã, também é chamado de tucumanzeiro.
Em Parintins, o tucumã com café e farinha sempre foi muito requisitado.
Aqui e acolá, havia uma competição entre descascadores de tucumãs. Vencia mais rápido no manejo da faquinha afiada, com a qual se retira a casca e a polpa.
O poeta e compositor Emerson Maia fez uma toada, Flor de Tucumã, para eternizar pé de tucumanzeiro que persistiu no curral do boi-bumbá Garantido, na Baixa de São José, até a década de 1980.
De longe muito longe venho pra te ver
É triste o ano inteiro longe de você
Te amo meu boizinho flor de tucumã
Assim todo branquinho és meu talismã…
Os caroços ou coquinhos, em larga medida, são descartados como lixo. Mas, dependendo do lugar, a parte interna pode ser aproveitada na criação de porcos e galinhas, essas últimas os consomem na forma triturada.
A parte externa, o caroço propriamente dito, é aproveitado em peças artesanais: anéis, pingentes, enfeites de vestuários, botões etc.
Entre os povos da floresta o consumo do tucumã in natura , assim como o seu aproveitamento integral, não é nenhuma novidade.
É deles a descoberta dessa e de tantas outras preciosidades da natureza que, ao longo dos milênios, foram manipuladas e aprimorados geneticamente.
Consta, segundo estudos arqueológicos e antropológicos, que mais de 60% da floresta amazônica foram plantados pelas populações ameríndias.
O que é novidade, triste novidade, para essas populações é o rareamento e até extinção de frutos silvestres, entre eles o tucumã, em razão do desmatamento para a criação de gado, plantação de soja e surgimento ou ampliação de cidades.
Com isso, o tucumã vem se tornando uma fruta cada vez mais rara e cara.
Rara também para outros animais, como javalis, porcos selvagens, roedores, insetos e pássaros, que, por isso, são obrigados a se deslocar para fora dos seus ambientes.
E não é só isso: o tucumã de boa qualidade, aquele colhido no pé da planta, praticamente sumiu das feiras. Desses, agora só por encomenda.
O tocumanzeiro e seus apelos versificados só habita tenras lembranças.
Os frutos que chegam hoje ao consumidor são apanhados ainda verdes e amadurecidos por abafamento. O gosto não é o mesmo daquele que cai de maduro.
O tucumã abafado é, geralmente, ciíma e travoso.
O tucumã colhido no pé tem a casca rachadinha, amerelinha e dissolve facilmente na boca, porque é meio amanteigado.
A exceção é o tucumã arara, bicudo, cuja casca permanece esverdeada mesmo quando está madurinho. A espécie é demais já gostosa, mas não é fácil de encontrá-la na floresta.
Um dia, quem sabe, algum empreendedor pode vir a se interessar pelo plantio tucumanzais.
Em algumas áreas antes endêmicas seria mais importante e necessário recuperá-las, com sistemas agroflorestais, para que as cadeias de vidas também se restabelecessem, e humanos e outros seres vivos pudessem se refastelar dessa iguaria amazônica.
É isso:
O tucumã não é tecnologia!
O tucumã não é tóxico
O tucumã não está na Globo.
O tucumã não é pop, mas está virando grife.
O tucumã tá no BNC.
* O autor é sociólogo, doutor pelo programa Sociedade e Cultura na Amazônia/Ufam
Foto: Wilson Nogueira