Uma vida mais que um prefixo
Aguinaldo Rodrigues
Publicado em: 17/09/2015 ร s 00:00 | Atualizado em: 17/01/2019 ร s 23:29
Ivรขnia Vieira
Tarcila Prado de Negreiros Mendes, falecida hรก uma semana, รฉ uma dessas mulheres geradoras de curiosidades. A histรณria dela faz parte de tantos livros de mulheres ร espera da escrita em versรฃo ampliada. Nessa existรชncia de 74 anos, a ex-primeira dama do Amazonas encarnou capรญtulos singulares da prรณpria histรณria polรญtica amazonense eย amazรดnida.
Dos polรญticos mais velhos ouvi repetidas vezes, em meio a realizaรงรฃo das tarefas jornalรญsticas, muitos relatos a respeito da โmulher do governador Amazonino Mendesโ. Todas eles tinham em comum um dado: a garota nascida no Municรญpio de Mauรฉs que muito jovem estava ร frente das lutas estudantis como presidente da Uniรฃo dos Estudantes Secundaristas do Amazonas (Uesa). O tempo da juventude dela era o da longa ditadura imposta no Brasil e de uma luta silenciada das mulheres. Dizem esses polรญticos mais velhos que coube a Tarcila envolver Amazonino Mendes, um ano mais velho que ela, nas atividades polรญtico-cultural.
Desses relatos, entrecortados por manifestaรงรตes diversas, fica a indicaรงรฃo de uma garota-lรญder reconhecida pela combatividade e dedicaรงรฃo no fazer polรญtica que, enamorada, decidiu gradativamente atuar ย em outro plano. Tornou-se companheira por quatro dรฉcadas de um dos homens que viria a se constituir em referรชncia de poder regional. Amazonino Mendes, trรชs vezes governador do Estado, trรชs vezes prefeito de Manaus e senador. Mรฃe de trรชs filhos, duas mulheres e um homem, avรณ e espectadora privilegiadaย por longa duraรงรฃo da arte de fazer polรญtica no Amazonas.
A morte de Tarcila Mendes, no dia 9 de setembro, em Sรฃo Paulo, foi anunciada seguindo a tradiรงรฃo jornalรญstica no Paรญs e no mundo: โmorre a ex-primeira dama do Amazonasโ ou โmorre mulher do ex-governador Amazonino Mendesโ e outros tantos arranjos de uma escrita dominadora por onde escoa a invisibilidade da outra pessoa. Tarcila, nesses construรญdos, virou notรญcia por esses โatributosโ.
Uma pergunta permanece: quem foi essa mulher amazonense chamada Tarcila Prado de Negreiros Mendes? Fazedora de polรญtica quer nas inflamadas e histรณricas reuniรตes da Uesa, quer nos bastidores da resistรชncia, nas articulaรงรตes onde paixรฃo duplicada se imbricava, no olhar atento ร s reuniรตes dos homens da polรญtica que decidiam os destinos do Amazonas, sobre a morte ou a vida de partidos polรญticos, no lidar por vezes solitรกrio e violento com as tramas do poder, na tentativa elรกstica de preservar os filhos, a famรญlia. Quais foram os sonhos sonhados de Dona Tarcila? Quais foram as liรงรตes aprendidas, as tristezas e alegrias guardadas?
A mulher Tarcila nรฃo รฉ um apรชndice. Uma nota de rodapรฉ. Ambos recursos sรฃo importantes. Podem, para o olhar mais atento, reunir dados ร s descobertas singulares. No caso da histรณria das mulheres tรชm sido um jeito de secundarizar as existรชncias e as lutas por elas travadas. A escrita pelo viรฉs masculinizado รฉ farta nessas negaรงรตes, o que รฉ um exercรญcio cruel, violento e lamentรกvel das inteligรชncias porque ao se expressar nessa limitaรงรฃo prevalente deixa de contar histรณrias incrรญveis de mulheres (e de homens). Como essas histรณrias nรฃo sรฃo โcoisas a parteโ e โrelatos insignificantesโ, cada vez que o ato se repete tambรฉm sรฃo deixadas encobertas ou nas sombras outras faces das famรญlias, dos municรญpios, dos Estados, do Paรญs, do mundo. Tarcila carrega perguntas para alรฉm do prefixo ex.