A disputa política e judicial pela exploração do potássio no Amazonas, na região dos municípios de Autazes e Careiro da Várzea, fica cada vez mais acirrada. E dessa forma, de acordo com o Ministério Público Federal (MPF), torna-se caótico o cenário estabelecido entre o povo mura e lideranças indígenas nas aldeias onde fica a mina, alvo de interesse da empresa Potássio do Brasil.
Por conta disso, diversos relatos de áudio, vídeo, ligações telefônicas, audiências presenciais, videoconferências, documentos e outros meios chegam ao MPF, os quais demonstram a preocupante situação.
Isso ocorre a partir de cooptações, promessas, pressões e ameaças estimuladas ou perpetradas diretamente pela empresa e seus prepostos.
“A pressão sobre o povo mura, por parte da empresa e de políticos interessados no empreendimento, que é altamente lucrativo, está forte e de má-fé”, afirmam representantes de 48 organizações da sociedade civil, que manifestaram contrariedade ao processo de instalação da mineradora no Amazonas nesta segunda-feira (4).
Além disso, para acirrar ainda mais os ânimos na região, o senador Plínio Valério (PSDB-AM), que presidiu a CPI das ongs, no Senado, estará em Autazes na próxima quinta-feira (7).
Segundo o parlamentar, que defende a exploração do potássio, vai tentar ajudar em uma conciliação entre indígenas, ribeirinhos e a empresa de mineração.
Na avaliação de Valério, a exploração do potássio em Autazes e Careiro da Várzea fará bem ao país e à população da região, com geração de emprego e renda às famílias carentes.
“Meu objetivo, nessa visita, será a paz. Vou como convidado me juntar aos indígenas de 30 aldeias que clamam ao Ministério Público a liberação da exploração dessa riqueza que pode trazer dignidade a famílias de toda a região”, escreveu o senador do Amazonas em redes sociais.
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Lados do conflito
Mas, o que tem caracterizado esse conflito e jogo de narrativa pró e contra a exploração do potássio no Amazonas é justamente o posicionamento dos atores: de um lado os políticos e empresários favoráveis à mineração.
Já do outro lado, entidades indígenas e da sociedade civil engajadas na resistência contra a exploração mineral nos territórios das populações tradicionais. E no meio da guerra de interesses, grupos indígenas se dividem em apoiar e rechaçar a exploração do potássio.
Indígenas favoráveis
Na quinta-feira passada (30), um grupo de indígenas muras realizou manifestação em frente à sede do MPF no Amazonas com faixas que sinalizavam apoio à exploração do potássio.
Mesmo não tendo solicitado reunião ou demanda para o órgão, todo o grupo, de cerca de 70 indígenas, foi recebido pelo procurador da República responsável pelo caso, que esclareceu as dúvidas e questionamentos apresentados.
Foto: MPF/divulgação
Além disso, em setembro deste ano, foi noticiado suposto apoio do povo mura ao projeto de exploração mineral em suas terras pela empresa Potássio do Brasil.
O anúncio chegou a ser comemorado e repercutido pelo governador do estado, pelo presidente da empresa e deputados estaduais aliados à mineração em terras indígenas.
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Promessas e cooptações
Desse modo, o presidente da Potássio do Brasil, Adriano Espeschit, prometeu a indígenas muras a compra e entrega de 5 mil hectares de terras se manifestassem posição favorável aos negócios da empresa em assembleia exigida por lei para licença ao empreendimento em Autazes.
No entanto, as lideranças contrárias denunciaram a atuação de má-fé do executivo ao fazer a promessa. Afirmam que durante todo o discurso, Espeschit repassou informações falsas, prometendo benefícios às comunidades e que o próprio presidente pediu modificação no protocolo de consulta aos muras.
“As lideranças do povo mura não concordam com o empreendimento e já declararam não pactuar com qualquer questão aprovada pelas costas, onde nem a aldeia nem o tuxaua foram comunicados”, afirma o manifesto público das 48 organizações indígenas e civis.
A empresa interessada
A Potássio do Brasil é empresa subsidiária do banco comercial canadense Forbes & Manhattan e incide sobre o território indígena do povo mura, que se encontra em processo de demarcação.
Em 2013, a mineradora começou a perfurar poços para a exploração de potássio.
Segundo as organizações contrárias à mineração, o processo ocorreu sem o devido protocolo legal, que deve ser instaurado para consulta prévia, livre e informada às populações indígenas da área diretamente afetada e adjacentes.
Além de recursos estrangeiros, há investimentos de grupos empresariais de Manaus na empresa, como da família Benchimol (dona da rede varejista Bemol) e grupo Simões (atua no segmento de bebidas, como o refrigerante Coca-Cola e outros).
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Defesa do MPF
Diante de toda essa controvérsia e disputa política, quem também está no centro do conflito é o MPF no Amazonas.
Nesta terça-feira (5), o órgão ministerial fez manifestação pública em que reafirma legalidade da atuação em defesa dos direitos do povo indígena mura no processo de licenciamento de exploração mineral em Autazes.
A divulgação do posicionamento do MPF visa esclarecer o atual status jurídico do processo e a fundamentação legal da atuação do órgão diante da disseminação de informações desencontradas que contribuem para confundir e gerar insegurança, especialmente para as comunidades afetadas pelo empreendimento .
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Bloqueios judiciais
O primeiro movimento do MPF para barrar a exploração do potássio em terras muras foi em julho de 2016, quando ajuizou ação civil pública (019192-92.2016.4.01.3200).
Antes, porém, o órgão fez recomendação ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) para que cancelasse a licença já expedida, e à empresa Potássio do Brasil para que suspendesse as atividades de pesquisa na região até a realização das consultas aos habitantes nos moldes previstos na legislação.
Nenhum dos pedidos foi atendido, levando o MPF a acionar a Justiça, para tentar garantir o respeito aos direitos dos povos indígenas.
Após inspeção judicial, em 2022, e elaboração de parecer antropológico pelo MPF, foram constatados sobreposição do empreendimento de mineração no território indígena.
Dessa forma, o MPF ajuizou ação para demarcação do território indígena Soares/Urucurituba, que já conta atualmente com portaria constituindo grupo técnico da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para os estudos de demarcação.
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Licença suspensa
Em setembro de 2023, a Justiça federal no Amazonas acatou pedido do MPF e determinou a suspensão da licença concedida pelo Ipaam à Potássio do Brasil para qualquer atividade na terra mura de Autazes.
A decisão, posteriormente suspensa pela presidência do TRF-1 e objeto de recurso do MPF, destacou que a atividade não pode ser realizada sem autorização do Congresso Nacional e posterior consulta aos povos indígenas afetados;
Em 16 de novembro, uma nova decisão atendeu a pedido emergencial do MPF, da organização de lideranças muras do Careiro da Várzea e da comunidade indígena do lago do Soares, no município.
A decisão suspendeu imediatamente o procedimento de licenciamento ambiental, a consulta ilegal da empresa junto a indígenas e qualquer avanço nos trâmites para exploração de potássio em Autazes.
Multa milionária
A mineradora também foi multada em R$ 1 milhão pelo descumprimento dos deveres assumidos durante as audiências de conciliação, em especial, por realizar pressão indevida sobre o povo mura.
A Justiça federal ainda determinou a imediata suspensão de qualquer atitude de coação, manipulação, fraude, intimidação, ameaça, pressão e cooptação contra os indígenas pela Potássio do Brasil, sob pena de multa de R$ 100 mil por dia de descumprimento.
Por fim, o MPF informou que o processo judicial, que questiona irregularidades no licenciamento à empresa, é público e pode ser consultado na Justiça federal, de acordo com o princípio da transparência.
Fotos: J.Rosha/Cimi Norte I