Por Rosiene Carvalho , da Redação
O inquérito da Polícia Federal encaminhado há cerca de duas semanas ao Ministério Público Federal (MPF) aponta que os ex-secretários Wilson Alecrim, Pedro Elias, Afonso Lobo e Evandro Melo devem ser denunciados por crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa.
O MPF convocou, na tarde de ontem, dia 5, uma entrevista para às 10h de hoje, dia 6, em que irá anunciar os detalhes da denúncia que vai apresentar contra os ex-secretários do governo José Melo investigados na operação Custo Político e contra o próprio ex-governador e a ex-primeira-dama Edilene Oliveira na operação Estado de Emergência, ambas as ações desdobramentos da operação Maus Caminhos.
Nos cálculos do delegado Alexandre Teixeira, que assina a conclusão do inquérito, Alecrim teria recebido propina no valor de R$ 3 milhões; Elias, R$ 1,6 milhão; Lobo, R$ 2,245 milhões; e Evandro, R$ 5,740 milhões.
O nome do ex-chefe da Casa Civil Raul Zaidan não é citado, nesse contexto, no documento a que o BNC teve acesso.
Na conclusão do inquérito, o delegado Teixeira afirma que a investigação “traz luz a fatos que eventualmente não constituem ilícito penal”.
O delegado, no entanto, diz que os mesmos são “imprescindíveis à composição do contexto em que as práticas ilícitas se desenvolveram, bem como refletem a consciência e a vontade dos agentes”.
Ainda no inquérito, o delegado afirma que nas buscas e diligências realizadas nas operações foram apreendidos materiais que “apontam outras infrações penais graves”, que devem continuar sendo investigadas. Ele não dá detalhes sobre essas suspeitas.
Prática ininterrupta
No inquérito, o delegado afirma que, mesmo após a deflagração da operação Maus Caminhos, em setembro de 2016, a parte não atingida pela ação policial continuou dando apoio à parte atingida.
Uma das evidências para a Polícia Federal é que os secretários, hoje investigados e indiciados, foram arrolados como testemunhas de defesa do médico e empresário Mouhamad Moustafa.
O inquérito indica, ainda, que o esquema criminoso existia antes mesmo do instituto comandado por Moustafa ir para Manaus.
“Propina”
As mais de 300 páginas do processo detalham encontros, jantares e reuniões – até mesmo dentro de órgãos públicos – para a entrega de propina aos ex-secretários. Toda a cronologia de cada encontro é pautada pelas conversas por meio de redes sociais, como whatsapp e telegram, e do telefone do médico Moustafa.
A polícia descreve vários encontros montando um quebra-cabeça a partir de conversas cifradas com os secretários e trocas de mensagens com funcionários de Moustafa marcando para o mesmo dia e horário o preparo de dinheiro em espécie, com os funcionários, que variam de R$ 60 mil a R$ 300 mil.
Também aponta, em alguns casos, movimentação e saque de quantias altas nos dias marcados para encontro com os ex-secretários. Em um dos encontros com Evandro, em que a polícia afirma que foram entregues R$ 300 mil, o inquérito diz que três dias antes foram liberados para o instituto de Moustafa, o Novos Caminhos (que inspirou o batismo da operação), mais de R$ 12 milhões.
Nas mensagem, Moustafa fala de forma mais formal com o ex-secretário Alecrim marcando encontro e reuniões. Com Lobo, em várias situações, pede para entregar “documentos” pessoalmente.
Para Evandro, o médico operador do esquema criminoso diz que quer levar “remédios”. E entrega a encomenda pessoalmente ao motorista do irmão do governador.
As conversas com Elias são mais informais e há vários palavrões trocados entre eles. No inquérito, a polícia também aponta atendimento de vários favores pessoais prestados por Moustafa aos ex-secretários Elias e Lobo, como reserva de hotéis e hospedagens, disponibilização de motorista, carro e até conserto de carro e pagamento de aluguel para parentes.
“O dinheiro é deles”
Em uma das conversas que o médico tem com seus funcionários, ele reclama do atraso no pagamento das propinas, solicita que evitem falhas porque o “dinheiro é deles” e “sem eles” o grupo pode ficar fora do esquema.
Veja um trecho dessas conversas:
Em outro trecho, Moustafa diz que o dinheiro não pode atrasar porque ele só cresceu por causa da propina:
“100% honesto”
Em outra conversa de Moustafa, destacada no inquérito, a Polícia Federal mostra o quanto de recurso público foi desperdiçado com corrupção no período investigado.
O médico diz que se eles fossem 100% honestos sobrariam milhões no instituto e teriam que devolver dinheiro ao governo. O médico pondera que, daquela maneira, estariam fora do esquema pela falta de pagamento de propina.
Moustafa diz que vive dos recursos públicos porque, se dependesse do que ganha na iniciativa particular, não teria dinheiro nem para pagar a sede anterior do instituto.
“Eu juro para o senhor que eu toparia tirar tudo que eu tenho de custo político e mais 50% do meu lucro para trabalhar de forma legal. Só que aqui, nesse [sic ] país, não funciona”, afirma.
Ele diz também que tem negócio na área da música “com outra porrada de irregularidade, entre as quais a bilheteria de menor”. “A gente vive num país em que a base dele é a ilegalidade, em tudo que a gente faz”, afirma numa conversa com funcionários do instituto.
Descontrole orçamentário
Outro dado da investigação é que recursos do Fundeb também foram repassados ao grupo criminoso como resultado de um total “descontrole do sistema orçamentário do estado do Amazonas.
A investigação indica que os recursos estaduais e federais eram misturados nas mesmas contas e que o sistema do estado não demonstra de forma “fidedigna” a origem dos recursos repassados ao instituto.
“Bandido-mor”
Em um trecho do inquérito, a Polícia Federal destaca uma declaração do médico, também feita a funcionários do instituto dele, em que o ex-secretário Evandro é chamado de “bandido-mor” do estado do Amazonas. Moustafa acusa o irmão de Melo de participação em um homicídio.
“E ninguém aqui tá tipo assim com aquela consciência, o que eu costumo dizer lá do Evandro, que é o bandido-mor aqui desse estado, que é irmão do governador, que é secretário de administração que ele sim, o cara tá com um… um … um inquérito todo de homicídio nas costas dele, formação de quadrilha de ter mandado matar o cara que atirou as motos no irmão dele, o processo é criminal tem prova disso. O executor tá preso, os dois executores, já falou que foi o cara, já falou que foi o comandante da polícia que está afastado que mandou, entendeu?”.
Ajuda da Susam e dica de Evandro
Ao falar com funcionários sobre problemas nos contratos do instituto apontados pela Controladoria-Geral da União (CGU), Moustafa diz que tem gente da Susam ajudando a corrigi-los. Em outro trecho de conversas, considerado grave pela PF, o médico fala sobre a possibilidade de corromper funcionários e agentes públicos de outros órgãos de controle.
Numa conversa pelo whatsapp com o ex-secretário Evandro, ele é alertado pelo irmão de Melo sobre cuidado que deve ter numa entrevista solicitada pela imprensa.
Alecrim
A PF diz que Moustafa não tinha um bom relacionamento com o ex-secretário Alecrim, mas, e apesar disso, manteve propina mensal para ele mesmo após o desligamento do médico da administração pública. Segundo a PF, Alecrim fora do governo continuou recebendo R$ 133 mil “por ordem de alguém”.
O ex-secretário Elias, segundo a PF, além de se acomodar ao esquema, solicitava de Moustafa vantagens indevidas para ele, para o filho, para a ex-namorada e para o ex-sogro.
Lobo, de acordo com o inquérito, recebeu recursos em espécie, mas também por meio da empresa Lorcam Consultoria.
Fotomontagem com imagens BNC