Aguinaldo Rodrigues , da Redação
A segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento nesta terça, dia 26, declarou ilícita a infiltração de policial para obter provas. O caso em pauta era o de uma advogada acusada de integrar grupo que planejava ações criminosas na Copa do Mundo de 2014.
Ela foi condenada pela 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro a 7 anos de prisão por associação criminosa armada com base nessas provas, agora anuladas.
A decisão da turma do STF, guardadas possíveis proporções, remete à lembrança do caso da cassação da chapa ao governo eleita em 2014 no Amazonas, José Melo e Henrique Oliveira, ambos do Pros.
Há semelhança com a condenação da advogada no Rio, segundo a defesa dos cassados. As provas que levaram à perda do mandato foram colhidas por policiais federais dentro do comitê de campanha dos candidatos, em outubro de 2014.
• “Os policiais realizaram a operação sem autorização judicial” , assegura o advogado Yuri Dantas, que atuou na defesa de Melo naquele processo.
Segundo ele, essa questão da coleta de provas por policiais infiltrados clandestinamente no comitê foi “tratado à exaustão na rigorosa maioria das questões preliminares” do processo. Elas diziam respeito à operação da Polícia Federal, que foi de infiltração, assegura Dantas.
Em maio de 2017, na matéria “Partido questiona cassação de vice em processo que acusava governador do Amazonas” , publicada em seu site, o STF cita como infiltração policial a ação no comitê. O material colhido foi o que usou o atual senador Eduardo Braga (MDB) para abrir a cassação de Melo, que o derrotou na eleição de 2014.
• “A cassação aconteceu em processo iniciado em operação policial que, ao se infiltrar em reunião política do comitê eleitoral vinculado à campanha do José Melo de Oliveira, à época candidato a governador, constatou que um pastor evangélico cooptava pastores de igrejas evangélicas menores com o objeto captar ilicitamente voto de seus fiéis” , diz um trecho da matéria.
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Melo alega “provas ilegais” e pede que STF anule cassação do TSE
Em setembro de 2017, mês seguinte à realização da eleição para conclusão do seu mandato, Melo ainda questionou, em recurso extraordinário ao TSE, que seu julgamento teria sido inconstitucional.
Um dos pontos da defesa contestava essas provas obtidas pela Polícia Federal, que as chamou de ilegais, como válidas para o processo.
Dantas alegava na defesa que uma operação invasiva, como a que aconteceu no comitê, só pode acontecer mediante mandado judicial ou flagrante delito, o que não teria ocorrido.
“Se questiona a inexistência de flagrante para autorizar a busca e apreensão no comitê”, disse Dantas em 2017.
Operação sem autorização da Justiça eleitoral
Para a defesa de Melo e Henrique, não houve autorização judicial nenhuma para que os policiais fizessem o que fizeram.
• “Não houve sequer comunicação ao juízo eleitoral competente, e a atuação da polícia em matéria eleitoral é governada pelo poder Judiciário. Houve uma série de erros nessa operação”.
Sustenta o advogado que todos esses erros foram deixados para trás, em nome de “uma suposta necessidade de se fazer justiça”.
Dantas afirmou que, em vista de decisões como a de agora, da segunda turma do STF, “que reconheceu a invalidade de uma operação policial sem autorização do poder Judiciário”, a cada dia se convence de injustiça no julgamento de Melo e Henrique.
Divergência e Nair Blair absolvida
• “Causa estranheza, no meu entender, que num evento entre 50 e 60 pessoas [no comitê de Melo], nenhuma delas tenha sido ouvida para corroborar as suspeitas que levaram a Polícia Federal a efetuar as prisões” , disse a ministra Luciana Lóssio no seu voto contra a cassação.
• “Os documentos mostram de forma suficiente a entrega de vantagens pessoais com a finalidade de obtenção de voto dos eleitores. É desnecessário que o ato tenha sido praticado diretamente pelo candidato” , disse o ministro Luís Roberto Barroso, que abriu a divergência ao parecer do relator, Napoleão Nunes Filho , no julgamento de cassação de Melo e Henrique no TSE.
O ministro Barroso tratou a empresária Nair Blair como tendo anuência de Melo para compra de votos. Recibos emitidos em seu nome, que teriam sido apreendidos pelos policiais com ela, “documentam a compra de votos”, disse o magistrado.
O advogado Dantas, no entanto, lembra que a própria Nair Blair, pivô das provas coletadas no comitê da coligação, foi absolvida posteriormente em ação penal da acusação de compra de votos.
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Execução sumária
Vice-governador cassado, Henrique disse ao BNC Amazonas que essa questão da nulidade das provas foi um dos pontos mais batidos pela defesa. “Era uma tese muito forte nossa”.
Segundo ele, quando fez tentativa de mudar a decisão com embargo no Supremo, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já estava em andamento com a eleição tampão.
• “Foi uma grande injustiça que foi cometida, uma execução sumária”, disse.
STF derruba atos do TJ e STJ
Na concessão de habeas corpus à advogada carioca neste dia 26, a turma de ministros do STF discordou do entendimento de magistrados do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negaram reconhecer ilicitude na coleta de provas.
Para os dois tribunais, a atuação do policial se deu na condição de “agente de inteligência”.
Relator explica diferença
Em seu voto, ministro Gilmar Mendes (relator) derrubou esse entendimento. Explicou que a diferença entre agente de inteligência e agente infiltrado se dá em razão da finalidade e da amplitude da investigação.
Enquanto o primeiro tem uma atuação preventiva e genérica, buscando informações de fatos sociais relevantes ao governo, o outro possui finalidades repressivas e investigativas, visando à obtenção de elementos probatórios relacionados a fato supostamente criminoso ou a organizações criminosas específicas.
No caso da advogada, o ministro disse que o policial começou atuando como agente a coletar dados para subsidiar ações da Força Nacional, mas depois, no curso da investigação, exerceu “verdadeira e genuína infiltração, cujos dados embasaram a condenação”.
Para marcar bem a diferença, Mendes explicou que, como policial, o agente não precisava de mandado ou autorização para colher dados nas ruas. Contudo, ao se infiltrar no grupo que supostamente planejava ações, o policial passou a fazer investigação criminal, para o que precisava de autorização judicial.
• “É evidente a clandestinidade da prova produzida. O referido policial, sem autorização judicial, ultrapassou os limites da atribuição que lhe foi dada e agiu como incontestável agente infiltrado” , afirmou o ministro.
O relator atestou que a advogada foi condenada com base nessas provas ilícitas colhidas pelo policial infiltrado clandestinamente.
A anulação das provas e da sentença foi por unanimidade da turma, seguindo o voto do relator Gilmar Mendes.
Com informações do STF .
Foto: Carlos Moura/SCO/STF