Os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), criticaram hoje, dia 4, decisões monocráticas (individuais) de colegas que concedem liberdade a pessoas presas após terem sido condenadas na segunda instância da Justiça.
As críticas são baseadas no fato de o Supremo ter autorizado em 2016, por maioria, o cumprimento imediato de pena logo após a condenação em segundo grau, mesmo que o condenado ainda tenha recursos pendentes de julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou no próprio STF. O entendimento foi firmado em dois habeas corpus e na análise de uma medida cautelar.
“Nas democracias maduras, uma vez fixada uma tese jurídica pela suprema corte, os demais magistrados seguem a orientação colegiadamente fixada. Então, o fato de que alguém deixe de seguir a orientação do Supremo está longe de obrigar os outros magistrados do país a errarem por isonomia”, disse Barroso.
Fachin concordou. “Eu creio que se demonstra respeito a um tribunal constitucional respeitando as decisões colegiadas majoritárias”, disse o ministro. “Isso não pode operar como um limpador de para-brisa, ora está aqui, ora está acolá. É fundamental que se tenha uma diretriz e um mínimo de previsibilidade.”
Críticas em plenário
As críticas foram feitas durante julgamento no plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do qual Fachin e Barroso também fazem parte, de um pedido em que uma ré busca o direito de recorrer em liberdade após ter sido condenada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), segunda instância da Justiça Eleitoral.
O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Og Fernandes.
A ré foi condenada no âmbito da operação Chequinho, que apura irregularidades na campanha eleitoral de 2014 para a Assembleia Legislativa de Campo dos Goytacazes (RJ).
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Lewandowski e Marco Aurélio, os que soltam
Outros condenados na mesma operação foram soltos por força de uma liminar (decisão provisória) concedida no STF pelo ministro Ricardo Lewandowski, que garantiu o direito de recorrerem em liberdade.
Ao menos outro ministro do STF, Marco Aurélio Mello, também profere com frequência decisões para soltar condenados em segunda instância, sob o argumento de que o entendimento atual do Supremo sobre o assunto não vale para todos, por ter sido firmado em relação a casos particulares e de modo provisório.
Em face do argumento, Lewandowski, Marco Aurélio e o próprio Fachin cobram que o plenário do Supremo julgue o quanto antes o mérito de três ações declaratórias de constitucionalidade (ADC) sobre o assunto, de modo a assentar em definitivo a diretriz a ser seguida.
Barroso e Fachin têm voto firme a favor do cumprimento de pena após condenação em segunda instância.
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Questão adiada sem previsão de data
As ADC seriam julgadas na próxima semana, mas nesta quinta-feira, dia 4, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli , adiou indefinidamente o julgamento, a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autora de uma das ações.
Além da ação da OAB, cujo relator é Marco Aurélio, há duas dos partidos PEN, hoje Patriota, e PCdoB.
Nesta semana, o recém-eleito presidente do Conselho Federal da OAB, Felipe Santa Cruz, enviou um ofício a Toffoli, fora dos autos da ADC, pedindo o adiamento do julgamento, cuja data havia sido marcada pelo presidente do STF em dezembro.
“É que, a propósito, a nova diretoria deste conselho, recém-empossada, ainda está se inteirando de todos os aspectos envolvidos no presente processo e outros temas correlatos, razão pela qual necessita de maior prazo para estudar a melhor solução para o caso”, diz o pedido encaminhado por Santa Cruz.
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Marco Aurélio diz que não adiaria
A suspensão do julgamento foi feita à revelia do relator, Marco Aurélio, que afirmou que se o pedido tivesse sido encaminhado a ele, “fatalmente não adiaria”. Desde ao menos o início do ano passado, o ministro cobra o julgamento das ADC, liberadas para análise do plenário desde dezembro de 2017.
Internamente, ministros avaliam que o adiamento alivia a pressão da opinião pública sobre o Supremo, uma vez que uma decisão contra a prisão em segunda instância poderia beneficiar o ex-presidente da República Lula da Silva (PT).
O ex-presidente completa um ano preso neste sábado, recolhido que foi em 7 de abril à carceragem da Polícia Federal em Curitiba, após ter tido sua condenação por corrupção e lavagem de dinheiro na operação Lava Jato confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), segunda instância da Justiça Federal, com sede em Porto Alegre.
Um recurso de Lula contra a condenação está prestes a ser julgado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília. Ao adiar o julgamento das ADC sobre a segunda instância, o Supremo deve evitar que o debate seja fulanizado.
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Entendimento atual
No ano passado, a presidente anterior do STF, ministra Cármen Lúcia, não pautou as ações. Na ocasião, havia uma pressão causada pela condenação de Lula no TRF-4. A ministra resolveu, há um ano, pautar um habeas corpus do ex-presidente, que acabou rejeitado por 6 votos a 5.
No voto decisivo, a ministra Rosa Weber disse que em princípio é contra a prisão após segunda instância, mas que votaria contra o pedido de liberdade do ex-presidente petista em respeito ao entendimento vigente do Supremo, que autoriza o cumprimento antecipado da pena.
Na ocasião, Weber indicou que numa eventual análise de mérito das ADC sobre o assunto, poderia votar contra a prisão em segunda instância, o que mudaria o entendimento atual que autoriza a medida.
O Supremo já alterou algumas vezes o entendimento sobre o assunto, e desde de 2016, na análise de uma liminar sobre o tema, por 6 votos a 5 foi autorizada o cumprimento de pena após a condenação em segundo grau da Justiça.
Desde então, alterou-se a composição do plenário e ao menos um ministro, Gilmar Mendes, anunciou ter alterado seu entendimento, posicionando-se contra a prisão em segunda instância.
O tema diz respeito a centenas de milhares de presos provisórios que aguardam o entendimento definitivo do Supremo em penitenciárias superlotadas.
Em dezembro, Marco Aurélio chegou a conceder uma liminar libertando todos os presos que ainda tenham recursos pendentes de análise em instâncias superiores, mas a medida foi cassada por Toffoli pouco depois.
Argumentos
Nas ADC, os autores sustentam que, de acordo com a Constituição, um condenado só pode começar a cumprir pena e ter afastada sua presunção de inocência após o trânsito em julgado do processo, isto é, quando não é mais possível recorrer aos tribunais superiores em Brasília, incluindo o próprio STF.
A Procuradoria-Geral da República, que é contra a medida, argumenta que a prisão após a segunda instância garante que a Justiça seja feita, ante a demora no julgamento de volumosos recursos nos tribunais superiores.
No mês passado, a Advocacia-Geral da União (AGU) apoiou o posicionamento da PGR, argumentando, em manifestação enviada ao STF, que não há prejuízo ao princípio da presunção de inocência se condenados começarem a cumprir pena antes de eventuais recursos a instâncias superiores, levando-se em consideração que em todas os graus de jurisdição são garantidos diferentes recursos.
Fonte: Agência Brasil
Foto: Carlos Moura/SCO/STF